Atalho da Caldeiroa |
Da revisitação que fizemos às
ruas, vielas e largos que se situam entre a actual rua da Liberdade (Molianas) e
o Campo da Feira, terá resultado a evidência da unidade que prevalece em
todo esse espaço, quebrada pela construção da Avenida D. Afonso
Henriques em finais do século XIX, cuja argamassa era a antiquíssima indústria dos
couros de Guimarães. A Caldeiroa, por onde também corre o rio de Couros, era
uma das ruas onde a indústria do tratamento das peles era mais activa, de que
ainda são testemunhas os pelames, lagares e lagaretas de curtimenta que ainda
por ali sobrevivem.
Quem visitou a celebrada Exposição
Industrial que a Sociedade Martins Sarmento promoveu no ano mágico de 1884, começou por ver, logo no átrio no palacete de Vila Flor e na primeira sala da mostra, os
expositores das artes dos couros curtidos e aparelhados (classe 42.ª do
respectivo catálogo). Ao todo, eram dezassete os expositores deste sector. A
Corredoura, o outro centro da produção de curtumes do concelho de Guimarães,
era o mais representado, com cinco expositores. Logo a seguir, o maior
contingente era o da rua Caldeiroa, com quatro expositores, o dobro das
representações das ruas de Couros e de Vila Verde e do Largo do Cidade, cada
um com dois expositores.
Como já por aqui vimos, a
construção, em finais do século XIX, da Avenida D. Afonso Henriques ergueu um
muro a separar a Caldeiroa do Relho, quebrando a perspectiva de unidade até
aí evidente. Para assegurar a ligação, foi aberto um arco por baixo da avenida,
que permitiria a passagem de peões e de carros. A construção, já no século XX,
dos edifícios que se situam junto ao túnel, de ambos os lados da rua, estreitaram-lhe
as entradas e descaracterizaram a perspectiva da dimensão do arco. Na sequência
da recente requalificação do bairro de Couros, os portões de ferro colocados
nos acessos ao arco passaram a estar fechados a cadeado, deixando o túnel de
ter a serventia para que foi construído, ao impedir a circulação entre a
Caldeiroa e a rua de Vila Verde. E assim ficou até hoje: de um lado, um espaço
magnificamente reabilitado, do outro o parente pobre, esquecido e mal tratado, composto
por uma sequência de vielas que vão acabar no actual recinto da feira.
No âmbito do processo de
candidatura ao reconhecimento pela UNESCO da área dos Couros como Património
Mundial, que se propõe cobrir o território que vai do Campo da Feira à Veiga de
Creixomil, faz sentido tomar em mãos a requalificação do atalho da Caldeiroa,
desde o seu início, no largo do Cidade, até ao ponto onde agora termina, na
antes chamada viela das Freiras, já na antiga cerca do Convento de Santa Rosa do Lima.
Um investimento bem mais módico, consensual e necessário do que um parque de
estacionamento que vai matar o miolo da Caldeiroa, cuja necessidade ainda
ninguém demonstrou e que, a fazer-se, delapidará irremediavelmente parte do
património da arqueologia industrial dos couros de Guimarães.
Entrada do Arco da Caldeiroa, do lado da rua de Vila Verde. |
(Percebo os que possam justificar
a manutenção do impedimento de circulação pelo Arco da Avenida com o argumento
da segurança. Mas lembro que o mesmo argumento era utilizado em relação ao espaço
de Couros já requalificado. Depois das obras acabadas, esses receios deixaram
de se colocar. Neste caso, bastará que, na requalificação a fazer, se use da
mesma inteligência que se empregou no projecto do que já está feito.)
0 Comentários