A Avenida do Comércio no início do século XX. |
A avenida que nasceu para fazer
a ligação do Toural à estação do caminho-de-ferro só teve nome próprio alguns
dias depois da sua inauguração, no final do ano de 1900. Até aí era conhecida como
a Avenida Nova ou a ligação do Toural à Estação. No princípio de Janeiro de
1901, ponderava-se o nome que lhe deveria ser atribuído.
Terá chegado a cogitar-se chamar-lhe
Avenida Mouzinho de Albuquerque, homenageando uma figura ainda viva, o prestigiado militar e
administrador colonial português, conhecido pelas sua acção campanhas de África, em
1894-95, em que tinha aprisionado o célebre Gungunhana, o último imperador do
Império de Gaza.
Num artigo que publicou a 6 de Janeiro,
no jornal A Memória, Albano Belino
propôs que o nome da artéria perpetuasse o momento em que foi inaugurada, no
último domingo do século XIX, quando se abriam as portas para o novo século.
Que se chamasse Avenida Século XX, alvitrou.
Mas a opção da Câmara seria
diferente. Reunindo a vereação no dia 9 de Janeiro, apreciou uma proposta
apresentada pelo vereador A. B. Leite de Faria, em que se lê:
Para celebrar o enorme desenvolvimento comercial e fabril de Guimarães, nos últimos tempos, desenvolvimento que não afrouxara, porque a alma vimaranense é de rija têmpera.Proponho que à Avenida Nova seja dado o nome de Avenida do Comércio, por ligar com a estação do Caminho-de-Ferro os dois centros mais importantes de comércio desta cidade – o Toural e a Praça de D. Afonso Henriques — e que à outra Avenida, a mais velha, ainda por baptizar, mas já ladeada de florescentes fábricas seja posto o nome de Avenida da Indústria.
A proposta de Leite de Fria foi
aprovada. A Avenida do Comércio manteve esta designação até à chegada da
República que, como costumam fazer as grandes mudanças políticas,
republicanizou a toponímia vimaranense. Passou a designar-se Avenida Cândido dos
Reis, em homenagem ao militar, republicano e carbonário que se suicidou no dia
4 de Outubro, convencido de que a revolução que derrubaria a monarquia tinha
fracassado.
No dia 10 de Dezembro de 1943, a
Câmara de Guimarães aprovou uma proposta de alteração da toponímia vimaranense,
que afectou largo número de arruamentos e praças da cidade. A Avenida Cândido
dos Reis figura em primeiro lugar na lista das ruas que então mudaram de nome, passando
a chamar-se Avenida D. Afonso Henriques, o Fundador. Note-se que, na mesma
deliberação, a Praça D. Afonso Henriques, de onde já saíra o monumento ao
primeiro rei, trasladado para junto do Castelo, também mudou de nome, passando
a chamar-se, oficialmente, Largo do Toural.
Hoje, sem que lhe conheça
qualquer alteração toponímica posterior a 1943, chama-se, simplesmente, Avenida
D. Afonso Henriques.
Pelo seu interesse,
especialmente pela opinião que afirma a propósito de mudanças toponímicas em
ruas e largos ao arrepio dos nomes históricos desses espaços, aqui fica o texto
em que Albano Belino propôs que a Avenida Nova se chamasse Avenida do século
XX:
Nova Avenida
Na sua carta do dia 2 do corrente,
o ilustrado correspondente desta cidade para o “Primeiro de Janeiro”, do Porto,
noticia a inauguração da avenida, que do Toural conduz à estação do caminho de
ferro e acrescenta: “Segundo ouvi vai chamar-se Avenida Mouzinho de Albuquerque”.
O projectado baptismo sugere-me
um alvitre que submeto à apreciação dos homens de bom senso, respeitadores das
glorias desta terra.
Já temos a praça de D. Afonso Henriques,
onde se erigiu a estátua do fundador da monarquia; as ruas de S. Dâmaso, Gil
Vicente, Pão Galvão, Conde D. Henrique: e os largos do Trovador e de Martins
Sarmento; mas ainda nos resta honrar, pelo menos, os nomes de Mumadona, fundadora
do Castelo e da primitiva igreja de Santa Maria, hoje Colegiada; de Dona
Ausenda, ama de D. Afonso Henriques e natural desta cidade, onde possuía propriedades;
e o de Egas Moniz, o protótipo da honradez e da lealdade. Este nome e o
primeiro, aplicados a praças, ruas ou avenidas, recordariam aos forasteiros a
origem de Guimarães e o seu desenvolvimento por efeito de aqui ter estabelecido
a sua residência o Conde D. Henrique, progenitor do nosso primeiro monarca.
A inauguração da avenida no primeiro
dia do novo século (ali vai o alvitre) deveria ficar memorada com a denominação
seguinte: — Avenida
Século XX.
Reconheço que a lembrança pode
ser considerada excêntrica, pois não estamos habituados a aceitar de pronto
qualquer inovação isenta do carimbo estrangeiro; mas ninguém deixará de reconhecer
que tal denominação era bem cabida por ficar a recordar aos vindouros a data
inaugural do melhoramento que mais aformoseia a cidade.
O pedido dos bancos de pedra é
de todo o ponto justíssimo. Exige-os o trajecto longo e a subida algo
fatigante, e principalmente a comodidade dos passeantes.
Se a arborização não pode ser dispensada
naquele lanço formoso, que de noite se percorre com agrado e de dia constitui o
mais belo ponto de vista da cidade, prefiram-na de folhagem caduca. Evitam-se
assim dois inconvenientes—a sombra no Inverno e a deterioração do pavimento
pelas raízes que se desenvolvem muito, mormente nas austrálias e nas mimosas.
Não deixem, porém, de pensar se
a arborização ali terá lugar. Eu sou de opinião oposta. porque entendo que há-de
desfear a avenida.
Aí fica, pois, o modo de se
honrar condignamente esses antigos nomes que dão glória à terra.
Aplicá-los a ruas ou largos que há
séculos receberam o baptismo é quase um crime de lesa história e muitas vezes
um prejuízo material. Os documentos antigos, como os prazos que interessam a
todos, falam-nos de nomes de ruas que a moda
mascarou, dificultando-se assim frequentes vezes a busca de esclarecimentos úteis. É por isso que não desconvém respeitar o que ainda conserva o nome da
sua origem.
A nova avenida merece bem um
nome especial e todos os cuidados de quem superintenda na sua conservação.
ALBANO BELINO.
A Memória, 1.º ano, n.º 17,
Guimarães, 6 de Janeiro de 1901
0 Comentários