As finais do Vitória Sport Clube - 1941-1942 (2)

A equipa do Vitória de 1941-1942 (fotografia colhida no blogue Glórias do Passado)

No início da década de 1940, o futebol, sendo basicamente o mesmo, era muito diferente daquilo que é hoje. As equipas jogavam com esquemas rígidos (um guarda-redes, dois defesas, três médios, cinco atacantes - 2-3-5, como hoje se diria), não havia substituições, nem cartões, a terminologia inglesa ainda estava em processo de aportuguesamento. Ultrapassada a intrusão do Futebol Clube do Porto, que aconteceu durante a década de 1930, os clubes de Lisboa repartiam entre si o domínio das competições nacionais. Entretanto, em Guimarães, o Vitória Sport Clube trabalhava para se afirmar como “o primeiro entre os clubes de província”. Em 1941, entrou para a História como o primeiro clube do Minho a competir no campeonato nacional de futebol. Em 1942, depois de eliminar o Sporting Clube de Portugal, chega, pela primeira vez, à final da Taça de Portugal, deslocando-se a Lisboa para defrontar um dos clubes locais, o Belenenses. O jogo disputou-se no dia 12 de Julho de, tendo como palco o estádio do Lumiar, propriedade do Sporting (ainda não havia Estádio Nacional).
À saída de Guimarães, os jogadores do Vitória sabiam que iriam representar mais do que a camisola que envergariam no dia do jogo, como nota um texto de incitamento publicado, dois dias antes da final, no O Comércio de Guimarães:
Vai o Vitória domingo a Lisboa bater-se de novo com o Belenenses, agora, na disputa do glorioso troféu que é a “Taça de Portugal”.Leva a ampará-lo a sua conduta irrepreensível, o seu entusiasmo e mocidade; e a encorajá-lo a alma desportiva, não só da sua Terra, mas da Região que representa.Qualquer que seja o resultado da pugna, temos a certeza que o valoroso Club minhoto saberá manter integro o seu valor, honrar e prestigiar o desporto português.Acompanhá-lo-ão alguns desportistas vimaranenses, e o Minho seguirá com interesse o importante pleito, que deve ser presidido pelo ilustre chefe do Estado.Avante rapazes!Pela nossa Região!Por Guimarães e pelo Vitória, honrai e prestigiai o desporto Nacional!
O jogo confirmou o favoritismo, que pendia claramente para a equipa lisboeta. O Belenenses venceu por 2-0 e ficou com a taça. Naquele domingo, em segunda edição, o Diário de Lisboa fez o relato do jogo:

O Belenenses conquistou a “Taça de Portugal”, 
vencendo o Vitória de Guimarães por 2—0
Jogo que encerra a época oficial de futebol, final dá “Taça de Portugal” em que pela segunda vez desde 1938 se defrontaram um representante da província e outro da capital. Apesar de quase todos os prognósticos serem a favor do grupo lisboeta, evidentemente de maior classe, existe certa expectativa pelo comportamento dos valorosos vimaranenses.
A prová-la, o muito público que afluiu ao Estádio do Lumiar, que não é, no entanto, de molde a constituir a tradicional enchente das finais entre os melhores de Lisboa.
Boa recepção acolheu o Vitória — mas quando depois o Belenenses entrou, a manifestação foi maior...
Os grupos alinham:
Belenenses—Salvador, Simões e Feliciano; Amaro, Gomes e Serafim Quaresma, Elói, Gilberto, José Pedro e Franklin.
Vitória—Machado, Lino e João; Castelo, Zeferino e J. Machado; Rodrigues, Miguel, Alexandre, Ferraz e Arlindo.
Árbitro—Vieira da Costa, do Porto.
O Vitória escolheu a favor do vento e o desafio inicia-se, às 18 hora prefixas, com a saída dos “azuis”.
Atacam os lisboetas de início, sem pressas, com tranquilidade, como senhores de que a vitória não pode deixar de lhes pertencer. Mas a defesa do Vitória sofre os primeiros embates serenamente, sem parecer acusar a responsabilidade do encontro.
Momento do jogo
Durante os primeiros dez minutos o ritmo foi quase sempre este, notando-se, todavia, e à medida que o jogo prossegue, que a linha de ataque belenense, já com foros de famosa, está hoje algo frouxa, desconcertante, mesmo.
Amaro sobressai no terreno a empurrar os seus homens para a frente. Mas as passagens entre o trio central do ataque “azul” resultam imprecisas e a colocação dos belenenses, por deficiente, facilita as entradas da defesa de Guimarães. E o contra-ataque do Vitória bem, ajudado pelo vento, mas conduzido sem que a sensação de perigo ressalte com nitidez. Em todo o caso, Salvador defende remates de Alexandre e Ferraz.
Aos 15 minutos, enfim, a primeira ocasião de “goal”; com Machado batido, três remates de avançados lisboetas são devolvidos por outras tantas cabeças de jogadores contrários, postados na boca das balizas.
Volta o Vitória ao ataque — e quando, se chega aos 20 minutos, nova ocasião de “goal” surge, mas desta vez a favor dos vimaranenses. Junto da grande are a de Belém, Zeferino apontou um “livre”, por castigo a falta de Serafim. A bola foi repelida para perto e Arlindo, na recarga, falhou o remate por pouco, atirando ao lado.
À medida que o tempo decorre, o enleamento do Vitória pelos “azuis” toma-se maior sem que, porém, o jogo do Belenenses tenha melhorado sensivelmente.
E o Vitória, com certa placidez, continua a defender-se...
Aos 40 minutos, finalmente, um ponto do Belenenses — e diga-se que nesta altura já absolutamente merecido. Foi Quaresma quem o marcou, mas o grande mérito da jogada pertenceu a Amaro, que lhe proporcionou o remate.
Até aos 45 minutos, o Belenenses manteve-se ao ataque — mas o resultado não sofreu alteração.
Ao intervalo, pois, o Belenenses ganhava por 1-0.
Zeferino
Resultado certo quanto à existência de um vencedor, pois os “azuis” atacaram mais e com maior perigo, e aceitável quanto ao “score”, visto que os lisboetas têm tido exibição pobre, apenas com destaque para Amaro — um grande jogador no terreno. Os vimaranenses têm-se defendido bem. Jogo desprovido de emoção, pois os nortenhos fornecem, sempre que ao ataque, certa nota de “inocência”, que não lhes permite gizar lances de grande perigo.
A SEGUNDA PARTE
Antes do recomeço do jogo, os “teams”, devidamente alinhados, saudaram. o sr. major Silva e Costa, que assiste ao jogó coino representante do venerando Chefe do Estado.
Efectuados que foram alguns avanços do Belenenses, um “goal” — o 2.º — se marcou, mas de maneira inesperada. Gilberto “shotou” à baliza e, quando parecia que a bola ia sair fora, o vento desviou-lhe a trajectória ante o pasmo de Machado, que a viu anichar-se nas suas redes.
O desafio, com um vencedor já denunciado e com três quartos de hora para jogar, perde ainda mais interesse. A monotonia impera no terreno durante largos minutos: um grupo sem grandes rasgos — o Belenenses — ataca; outro já sem esperanças firmes —o Vitória—defende-se...
À passagem do primeiro quarto de hora deste tempo, uma reacção do Vitória veio pôr certa animação ao jogo. Três vezes seguidas os avançados vimaranenses galgaram a defesa “azul”, sem resultados práticos, porém. E voltou-se de novo à insipidez já registada, agora com a linha de ataque do Belenenses alterada — Franklin: extremo direito, José Pedro a extremo esquerdo e Quaresma a interior do mesmo lado — sem, no entanto, revelarem êxito prático.
O vento e a poeira têm prejudicado de certa maneira, a acção dos jogadores. Diga-se, todavia, com verdade que a acção destes denuncia cansaço, bem compreensível se atendermos a que se está a jogar em pleno defeso...
O tempo decorre, aproxima-se o final do encontro, sem que a qualidade do jogo melhore nem que o resultado sofra alteração. O público, que na falta de futebol de bom quilate, já se contenta em ver marcar “goals” — até neste capítulo se deve mostrar desiludido, pois os avançados “azuis” têm estado incertos no remate, mesmo tendo em conta o natural prejuízo da ventania.
Quando os noventa minutos chegaram sem que o resultado tivesse sofrido alteração — Belenenses, 2 — Vitória, 0 — já parte da assistência debandava
Bola pelo ar, guarda-redes  (Machado) no chão
O Belenenses com inteira justiça no jogo de hoje, ganhou com indiscutível merecimento a competição com que se encerrou a época oficial de futebol: a “Taça de Portugal”.
Não tiveram os “azuis” de brilhantismo excepcional, em que a sua exibição se equiparasse a outras que deliciaram o público, mas demarcou sobre o seu adversário, em técnica, em vigor, em velocidade e em remate, indiscutível superioridade. Foi, pois, um bom vencedor.
A alegria de todos os belenenses deve ser tanto maior quanto é certo que já há nove anos a valorosa “equipe” de Belém não conquistava um título oficial.
O Vitória de Guimarães foi um vencido simpático, muito “verde” ainda, quanto a nós, para finalista de um torneio, da importância deste.
A arbitragem pode classificar-se de boa, facilitada aliás pela correcção de todos os jogadores em campo.
* * *
Com os “teams” alinhados no terreno, o representante do sr. Presidente da República, acompanhado do presidente da F. P. F. A., entregou ao capitão do Belenenses o troféu conquistado e distribuiu a todos os jogadores as tradicionais medalhas.
Diário de Lisboa, 12 de Julho de 1942

Já era sabido antes do jogo: fosse qual fosse o resultado, haveria festa na volta a casa da equipa. Assim aconteceu. Quando, ao início da noite da terça-feira seguinte, o comboio que transportava os jogadores entrou na gare da estação de Guimarães, tinha a aguardá-la uma multidão em júbilo. Milhares de pessoas, com o presidente da Câmara à frente. Sobem no ar girândolas de foguetes e faz-se ouvir o hino da cidade. Forma-se um cortejo que segue em direcção à Câmara, onde os jogadores serão recebidos e homenageados. Depois dos cumprimentos e dos discursos, a equipa assoma à varanda, é recebida em delírio, por entre os acordes do hino da cidade, pelo povo que enchia a praça.
Foi uma festa.

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