Praça do Toural, Guimarães, fim da tarde de 5 de Maio de 2016. |
Este dia de Minerva é só p’rós filhos!
Respeito amanhã, olá casquilhos;
Mudos espectadores e mais nada,
Aliás toda a chorina é agarrada;
Malhais logo no tanque de mergulho
Em pena de altivez, de tanto orgulho.
Sem contemplação; lei, só lei valha,
Para punir o furor de tal canalha.
(Do Bando Escolástico dos festejos dos estudantes de Guimarães a
S. Nicolau do ano de 1838)
Filmei a quadro e fui à vida, antes que fechasse a loja para onde me dirigia. Enquanto esperei para ser atendido, partilhei
o vídeo no Facebook, com um comentário (Se
a estupidez pagasse imposto, talvez este país tivesse futuro), e não pensei
mais no assunto. Até que percebi que o vídeo se tornara viral, à nossa medida, com
milhares de visualizações (à hora a que escrevo já ultrapassou as 17.000) e inúmeras
partilhas, tendo dado origem a uma discussão apaixonada entre defensores e opositores
das praxes académicas, que deixei de seguir, por manifesta falta de tempo para
acompanhar tanto chover no molhado. Não sem antes me terem ficado as orelhas
arder, à força de censuras à minha falta de apego à “tradição”, logo eu!, ou de
saudosismo em relação a tempos passados e de falta de adesão à modernidade, em
resposta à minha afirmação de que, quando frequentei a universidade, tal “tradição”
não existia.
No que li da discussão, encontrei raciocínios
do género “fui à praxe e sobrevivi e depois praxei” ou “os meus filhos foram
praxados e praxaram e correu tudo bem”. Que bom para eles! E para os outros?
Para os seis do Meco, para os três do muro em Braga, para o estudante de
Arquitectura da Lusíada de Famalicão, para todos os jovens que foram à praxe e
lá ficaram? E para os que de lá saíram marcados negativamente para a vida, a ponto
de muitos deles terem desistido da Universidade? E para os que se recusaram a
participar e acabaram ostracizados ao longo de todo o seu percurso académico?
Será que para esses correu tudo bem?
Que me desculpe quem pensa o
contrário, mas não consigo encarar o que vejo fazer nas “praxes” como
actividades beneméritas de acolhimento e integração dos novos estudantes na universidade.
O que eu vejo, as mais das vezes, apenas posso classificar como atentados à
dignidade humana. São seres humanos que se submetem, voluntariamente ou nem por
isso, a abusos e que, um dia mais tarde, se poderão transformar eles próprios em
autores de novos abusos infligidos a outros seres humanos. Se tal “tradição”
tivesse um lema, bem poderia ser: “A praxe liberta o abusador que há em ti”.
A quem questiona os que condenam as
“praxes” de que falo sugiro, por exemplo, o visionamento de uma reportagem televisiva sobre
praxes na Universidade do Minho e a leitura do perturbante depoimento
de um vimaranense que estudou na UTAD em Vila Real, Paulo César Gonçalves, sobre
a sua experiência com as praxes.
Mas o mais insólito da cena a que
assisti brevemente e que gravei para a posteridade, foi o local escolhido por
aquela gente para se “refrescar”.
Quem chega de fora para estudar
numa cidade que mal conhece deveria procurar conhecer a cultura e as tradições
da terra onde se acolhe. A isso eu chamaria trabalhar para a integração. Ora,
se os mandantes de tão inaudito baile molhado tivessem tido tal preocupação,
saberiam que o chafariz do Toural está intimamente associado às festas que os
estudantes de Guimarães consagram, há centenas de anos (tempo mais do que
suficiente para entrarem na condição de tradição), ao seu padroeiro S. Nicolau.
O chafariz funcionava como o pelourinho onde os estudantes vimaranenses castigavam
os intrusos que tentavam introduzir-se nas festas sem serem estudantes. Como já
aqui se escreveu antes, os
banhos forçados na água do chafariz do Toural eram a pena para todo o
casquilho, taful, caixeirinho ou ginja que, com a identidade oculta atrás de
máscara, ousasse meter-se no meio dos festejos dos filhos da ciência, os estudantes.
O chafariz era local de
humilhação e castigo para os que se intrometiam na tradição nicolina, que é
foro dos estudantes de Guimarães. Quando eu ali vejo certa rapaziada vestida de preto, em
collants e com tricórnio, sou capaz
de pensar que, afinal, a tradição ainda é o que era.
9 Comentários
Cumprimentos.
Em relação “aos que foram a praxe, e lá ficaram”, se isto é um argumento valido, não deveríamos fazer nada na vida, porque os acidentes acontecem, e não é só nas “praxes”.
Se há praxe abusiva, não digo que não, mas também não é justo meter tudo no mesmo saco.
Em relação ao que acontece na fonte não vejo nada de mal, se anda estivesse alguém a tentar trepar, ou algo do género, o que não se verifica. Lembro-me de partirem a espada da estatua de D. Afonso Henriques, não foi em ambiente de praxe. Ainda a pouco vandalizaram o Pio IX, não foi em ambiente de praxe. Se podiam castigar lá com se infiltrava nas festas Nicolinas, porque não se pode batizar caloiros lá? Ai e tal porque é “praxe”?
Contudo as opiniões são para serem respeitadas, e aqui fica a minha.
Boa continuação, e felicidades para a vida.
Ao ler aquilo de que se queixa, parece-me que têm vergonha de o terem feito e que era para ficar secreto. Se assim não é, qual é o problema de eu ter fotografado e publicado imagens?
Se foi praxada e gostou, só tenho a dizer-lhe, sem ironia: ainda bem para si.
Cá por mim, faço parte de uma geração de universitários que fizeram o seu percurso sem tais praxes e que, enquanto docente na Universidade do Minho, participou na discussão para afastar muitos dos abusos que eram públicos e manifestos em pleno Campus, no início da primeira década deste século. Tenho, como se compreenderá, uma visão muito negativa de tais práticas onde, do meu ponto de vista, se treinam atitudes de submissão e obediência que têm muito pouco a ver com o que eu entendo ser o espírito académico. Mas, lá está, essa é a minha opinião.
Acidentes, acontecem, com certeza. Mas há muitos que se podiam evitar.
Quanto à utilização do chafariz nas festas a S. Nicolau para banhos forçados é algo que não se faz há muitos, muitos anos. Fez-se. Há muito que se não faz e eu acho muito bem assim.
Note que eu não falei em vandalismo nem apontei o dedo a ninguém por ter vandalizado o chafariz. Quanto aos actos de vandalismo que cita, estou de acordo consigo, nunca deviam ter acontecido, mas não têm a ver com o assunto que aqui nos traz.
Saudações cordiais.
Quanto ao mais, se tem orgulho da figura que fez, ainda bem para si. Faz muito bem em lutar pelos seus "idiais".
Não foi no dia da defesa Nacional que faleceu uma jovem num exercício militar? Devemos abolir isso também?
Tenha cuidado, o sal na comida é responsável por enumeras mortes... o Sr come ensosso?