Paço dos Duques de Bragança em Guimarães, gravura de Pedroso a partir de desenho de Nogueira da Silva. Arquivo Pitoresco, vol. IV, 1861, p. 33 |
Continuámos a divulgar os textos dedicados aos monumentos de Guimarães que o historiador Inácio Vilhena Barbosa publicou na revista Arquivo Pitoresco, no início da década de 1860. Desta vez, trata do palácio que o primeiro duque de Bragança, D. Afonso, bastardo de D. João I, mandou erigir em Guimarães. Neste texto, Vilhena Barbosa fala das riquezas da Casa de Bragança, conta a história dos seu paço em Guimarães e faz uma descrição do seu estado no tempo em que o viu, no início da segunda metade do século XIX, altura em que a sua ala melhor conservada, voltada a sul, funcionava como quartel militar. A descrição das ruínas do paço está carregada de informações muito interessantes. No entanto, este texto deve ser lido com prevenção, já que o autor, quando o escreveu, baralhou o azimute, indicando as confrontações das quatro faces da fachada do edifício com orientações diferentes das reais. No texto que aqui se reproduz colocaram-se entre parênteses rectos as correcções aos pontos cardeais incorrectamente indicados no original.
O Paço dos Duques de Bragança
Exceptuando as casas reinantes, nenhuma família da Península, nem talvez da Europa, gozou de tão grandes honras e privilégios e de tantas riquezas e poderio, como os duques de Bragança antes da sua exaltação ao trono.
Para lustre da sua nobreza, bastava-lhes,
além de várias alianças reais, ter por progenitores um rei como foi D. João I,
instrumento da liberdade de Portugal quando a sua independência mais perigava,
e sempre favorecido da vitória e das simpatias populares; e um herói como D.
Nuno Alvares Pereira, que logrou associar em si a glória das armas e a
veneração de predestinado.
Entre os seus numerosos títulos honoríficos
tiveram os de duques de Bragança, de Barcelos e de Guimarães; os de marqueses
de Valença, de Vila Viçosa e de Montemor; e os de condes de Barcelos, de Ourém,
de Arraiolos, de Faro, de Neiva e Faria, e de Penafiel.
Se especializássemos todos os seus
privilégios, regalias e imunidades, formaríamos um longo catálogo. Bastará
dizer, que conferiam às pessoas do seu serviço todos os graus de nobreza, como
o rei; e que dispunham a seu bel-prazer de quarenta e uma comendas da ordem de
Cristo, com total independência e separação dos mestres da dita ordem.
Eram imensas as suas riquezas em jóias e baixelas
de oiro e prata, tão preciosas pelo seu valor intrínseco, como pelos primores de
arte que ostentavam. Os seus rendimentos eram tais que não só chegavam para
sustentar o fausto desta grande casa, em cujo serviço se empregavam uns quinhentos
familiares, mas ainda sobravam para muitas acções generosas, para infinitos
actos de caridade e de piedade, para numerosas fundações religiosas e para os
importantes socorros militares, que os duques de Bragança por vezes prestaram a
este reino nas guerras de África. Para se julgar da importância destes, socorros,
diremos que o duque D. Fernando I, quando passou à África com el-rei D. Afonso V,
levou dois mil infantes e setecentos homens de cavalo, todos vassalos seus,
armados e sustentados à sua custa; e o duque D. Jaime, quando foi à conquista
de Azamor, na África, em tempo de el-rei D. Manuel, que lhe cometeu o comando
da armada, levou, igualmente à sua custa e tirados de entre os seus vassalos,
quatro mil soldados de infantaria e quinhentos de cavalaria.
O seu poderio, enfim, estendia-se a mais de
quinhentos ofícios rendosos, de justiça e de fazenda, que nomeavam; a cento e sessenta
e tantos benefícios eclesiásticos, que apresentavam; a dezoito castelos, cujos
alcaides-mores eram de sua nomeação; a muitas vilas das mais principais do
reino e avultadíssimo número de aldeias e lugares, de que eram senhores e onde
contavam, no reinado de D. João II, oitenta mil vassalos.
Não era pois sem razão que um nosso escritor
dizia que os duques de Bragança possuíam um terço de Portugal. Um autor francês
ao século XVII chama ao duque de Bragança o mais poderoso vassalo da Europa.
Quem conhecer o palácio ducal de Vila Viçosa;
quem se lembrar dos paços arruinados da casa de Bragança em Lisboa, antes do
incêndio que em 1841 acabou de destruir o que o terramoto de 1755 lhes havia
poupado; quem, finalmente, tiver visto os restos do palácio bragantino de
Guimarães, além de outros muitos que esta família possuía, poderá ajuizar com
facilidade de toda essa grandeza e opulência de que apenas traçámos um ligeiro
esboço.
Os paços de Guimarães estão situados quase no
extremo ocidental [norte] da cidade, em terreno um pouco elevado e próximo do venerando
castelo onde nasceu D. Afonso Henriques. Era um edifício de vastas e
agigantadas proporções. Compunha-se de quatro grandes corpos, que formavam um
quadrado, com uma extensa praça ou pátio no centro.
A frontaria principal olhava para o sul [oeste].
Apenas restam dela as paredes do pavimento térreo, actualmente cobertas de
telhados, e tendo no meio o portal da entrada para o pátio, debaixo de um
alpendre sustentado por duas colunas.
A fachada oposta, que está voltada para o
norte [este], descansa sobre a antiga muralha da cidade. As paredes conservam-se de pé
em quase toda a sua altura; não assim as da frente deste mesmo corpo para o
lado do pátio. Toda esta parte do edifício está descoberta.
A frontaria do oeste [norte], que fica do lado do castelo,
está desmoronada até meia altura, mas ainda tem muitas casas no pavimento
inferior de que se faz uso. Pela parte de fora corre por todo o seu comprimento
uma alpendrada bem conservada.
A fachada de leste [sul] e todo este corpo do palácio,
acham-se inteiros. As duas extremidades levantam-se em dois pavilhões, ficando
no meio deles um extenso corpo mais baixo. Apesar da grandeza desta fachada,
não se contam nela mais de trinta janelas, de diversos tamanhos, dispostas em três
e quatro andares e com grandes intervalos de parede entre si.
Este lado do palácio apresenta o vulto de um
dos quarteirões da rua Augusta. Serve de aquartelamento e tem capacidade para acomodar
um grande regimento. Tem vastas salas, sem vestígio algum de decorações, e, nas
extremidades, duas escadas de caracol, bem fabricadas, que conduzem aos
telhados e que outrora davam saída para espaçosos terrados.
A frontaria do norte [este], que na estampa junta se
vê representada, cai sobre terreno montuoso e arborizado, que era uma pequena cerca
do paço. Depois que este se arruinou, foram-se construindo em volta da cerca,
por onde corria o seu muro, várias casas de mesquinha aparência, que na estampa
ocupam o primeiro plano.
Compõe-se aquela frontaria de três coroas
salientes, unidos por dois corpos reentrantes. Os das extremidades tinham por
coroa uma larga varanda, sustentada por grandes cachorros de pedra. Destas
varandas só existe uma, com as portas que davam saída para ela. Da outra não
restam mais que os cachorros.
As paredes destes dois corpos e as dos dois
reentrantes são abertas em janelas sem ornato algum. Porém, o corpo central é quase
todo ocupado por duas formosíssimas janelas, de mais de sete metros de altura,
as quais são um precioso exemplar do gótico puro. Estas janelas pertenciam à capela,
cujo pórtico, formado de delgadas colunas e guarnecido de lindos silvados,
deitava outrora para uma sala ou galeria do andar nobre e ao presente cai sobre
o pátio, pois que a fachada deste lado se desmoronou quase de todo. Esta capela
tinha dimensões como uma grande igreja.
O que parecem ser colunas, campeando sobre
esta parte do edifício e dispostas simetricamente, são chaminés muito bem
fabricadas de tijolo.
Encostam-se a esta fachada algumas árvores e,
pelas paredes, trepam heras que vão engrinaldar as janelas, aumentando com os
seus verdores o efeito pitoresco destas belas ruínas.
O fundador destes paços foi D. Afonso,
primeiro duque de Bragança, filho legitimado de el-rei D. João I. Não chegou,
porém, a concluí-los. Esta tarefa coube a seu filho o duque D. Fernando I.
Não ostentava este palácio espécie alguma de ornatos
arquitectónicos, se exceptuarmos o pórtico e janelas da capela. Todavia,
oferecia um aspecto grandioso pelas suas proporções colossais. O luxo da
edificação, que também lhe faltava no interior, era substituído, sem dúvida,
pela riqueza e profusão das tapeçarias e alfaias. Tal era o uso no antigo paço
dos nossos reis e nas residências dos seus mais poderosos vassalos. Além disso,
sabemos que a magnificência do palácio de Vila Viçosa, que causou admiração a vários
príncipes e outros personagens estrangeiros, que nele foram hospedados,
consistia nos brocados e veludos bordados e franjados de oiro e prata, e
guadamecins doirados, que vestiam as paredes das salas, que ocultavam as portas,
que ornavam os docéis, os leitos, e as mesas; nas alcatifas da Pérsia, que
cobriam o pavimento; e enfim nos vasos e outras peças de oiro, prata, e
porcelana da China, que pejavam os bufetes e copas ou aparadores.
Assistiram neste palácio muitos membros da família
de Bragança. A duquesa D. Constança de Noronha, segunda mulher do primeiro
duque de Bragança e neta, por seu pai, de D. Henrique II, rei e Castela, e, por sua mãe, de el-rei D. Fernando I de Portugal, assim que enviuvou, passou a
residir nos paços de Guimarães, onde viveu bastantes anos, e neles faleceu a 26
de Janeiro de 1480.
O último príncipe que ali residiu foi D.
Duarte, duque de Guimarães, irmão da duquesa de Bragança D. Catarina, e filho
do infante D. Duarte, e da infanta D. Isabel; aquele filho de el-rei D. Manuel,
e esta filha de D. Jaime, IV duque de Bragança.
I. DE VILHENA BARBOSA.
[in Arquivo Pitoresco, vol. IV,
Lisboa, 1861, pp. 33-34.]
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