Nos últimos meses de 2014, o meu amigo Miguel
Bastos submeteu uma candidatura ao Orçamento Participativo da Câmara Municipal
de Guimarães intitulada À Volta da Muralha, que tinha como propósito abrir a
acesso público o adarve da velha muralha de Guimarães, no troço que acompanha a
Avenida Alberto Sampaio, depois de criadas as condições que se impõem, nomeadamente
em termos de segurança e de comodidade. O projecto inicial, que envolveu contribuições
diversas, propunha-se também abarcar a Torre da Alfândega, que seria tornada
acessível. Aí teríamos um magnífico miradouro sobre Guimarães, além de um
centro de interpretação da muralha. Esta parte do projecto acabou por cair
porque, na altura, não foi possível saber quem seriam os proprietários daquele
pedaço de monumento (era imprescindível o respectivo assentimento, devidamente
documentado, para que a candidatura pudesse ser submetida). E, no entanto, ao
que agora se percebe, era tão fácil de saber…
A notícia caiu-me na caixa do correio sem se
anunciar, logo a seguir ao jantar de ontem, na forma de uma nota informativa da
Câmara Municipal, com o título:
Público vai
poder circular no topo da muralha de Guimarães
Projeto
abrangente também pretende tornar visitável a Torre de Alfândega, onde está a
inscrição “Aqui Nasceu Portugal”.
Muralha e a sua memória serão fruídas por
vimaranenses e visitantes.
Esta é, sem reticências, uma excelente
notícia, que faz tempo que era esperada.
Mas, pergunto eu, por que motivo é que o
anúncio chega agora, tão repentino e sem se fazer preceder por uma qualquer deliberação
municipal e, nem sequer, um sinal aos que estiveram na origem da proposta que motiva
o anúncio?
Lendo as entrelinhas, a resposta parece
óbvia.
No mesmo dia em que se fez este anúncio
público, o meu amigo Torcato Ribeiro, vereador da Câmara Municipal de Guimarães,
e também ele um das almas apaixonadas pela velha muralha, quis saber em reunião
da Câmara porque é que a autarquia não exerceu o direito de preferência na aquisição
de um imóvel que inclui a Torre da Alfândega (ou, pelo menos, parte dela) e
também o Café Milenário (ou, ao que percebo, parte do edifício onde está
instalado). Ora, por coincidência, tal abstenção aconteceu pela mesma altura em
que foi aberto o processo do Orçamento Participativo para o ano de 2015, o tal onde
entrou o projecto À Volta da Muralha, subscrito pelo cidadão Miguel Bastos.
Em aqui chegando, convém que fique claro que
não acredito que tenha havido da parte dos responsáveis da Câmara a percepção do
que envolvia a tal transacção, no momento em que não exerceu o direito de opção
que a lei confere à autarquia. Até porque recordo que o vereador responsável
pelo Centro Histórico acolheu com manifesto interesse e grande abertura a
proposta de pedonalização da muralha, quando lhe foi apresentada por um dos entusiastas
do projecto, José Maia, num momento em que se tratava dos formalismos para a
candidatura. Na altura, já lá vão muitos meses, ficou claro que, mesmo que não
fosse contemplada pelo orçamento participativo, pela vontade do vereador a
proposta era para avançar. A notícia que sai agora apenas confirma que esse
propósito era firme.
O ponto da questão não está no teor da
informação, mas apenas no tempo em que vem a público. Admito que possa estar
enganado, mas no que toca à gestão da comunicação, aquilo que parece ser, mesmo
não sendo, acaba quase sempre a ser. E o que aqui parece é que este avanço
repentino é um “pontapé para a frente” empurrado pelos acontecimentos, o que creio
estar longe de ser a melhor forma da governança se afirmar, aquela em que se transmite
a imagem de que sabe para onde se vai, porque se tem um rumo traçado. A quem
olha de fora, este anúncio afigura-se puramente reactivo, tendo em vista tentar
produzir ruído suficiente para se sobrepor ao que está a rebentar. No entanto,
como rápida e facilmente se perceberá, o assunto da venda da Torre da Alfândega,
ou de parte dela, presta-se a títulos muito mais apelativos, e até com alguma
dose de nonsense e humor, provavelmente
involuntário, como o do Jornal de Notícias de hoje:
Vendida muralha onde nasceu Portugal
Bom seria que os nossos responsáveis políticos
percebessem de vez que a sua estratégia de governação e de comunicação não deve
decalcar o modelo das redes sociais, que funciona por ondas e rabanadas de
vento e onde os pistoleiros tentam sempre disparar mais depressa do que as suas
próprias sombras.
Confesso que já não é a primeira vez que me
bate esta sensação de estranheza. A última aconteceu aquando do recente falecimento
de um cidadão no Centro Histórico, em que a Câmara, muito em cima do tempo de
dor e comoção em que a cidade mergulhou, anunciou que iria desenvolver iniciativas
para aumentar a segurança naquele espaço, num anúncio que logo se demonstrou
manifestamente precipitado e que não deixou de dar sinais errados para a
população e para a comunicação social acerca do nível de segurança no nosso
velho burgo.
Quanto às notícias de agora: a da muralha, é excelente;
a da Torre da Alfândega pode gerar algum sobressalto, mas será desafiante.
Porque a Torre da Alfândega há-de ser nossa outra vez.
0 Comentários