Efeméride do dia: Salazar, deputado (incógnito) por Guimarães

António de Oliveira Salazar (1889-1970)

4 de Setembro de 1933
Neste dia e no seguinte esteve na Penha guardando incógnito, o dr. Oliveira Salazar, presidente do ministério e ministro das finanças.
(João Lopes de Faria, Efemérides Vimaranenses, manuscrito da Biblioteca da Sociedade Martins Sarmento, vol. III, p. 229 v.)

No dia 4 de Setembro de 1933, correu em Guimarães o rumor de que o chefe do Governo e Ministro das Finanças, António de Oliveira Salazar iria visitar Guimarães. Segundo O Comércio de Guimarães do dia seguinte, apesar de haver quem o desse já na Penha, foi rebate falso. Não foi. Salazar esteve, efectivamente em Guimarães nos dias 4 e 5 de Setembro, como informaria o mesmo jornal no dia 8. A estadia rodeou-se de grande discrição. Soube-se que almoçou na Penha e que visitou o Museu de Alberto Sampaio e o Paço dos Duques. Ficaram famosas as visitas de Salazar à Penha, local pelo qual parecia ter uma predilecção especial (esta era a terceira vez que visitava a montanha sobranceira da Guimarães e várias vezes lá voltaria). Desta vez, como noutras, chegou e partiu incógnito, sem que Guimarães desse por ele. Salazar também passou incógnito por Guimarães no Verão de 1921, quando foi eleito deputado pelo círculo deste concelho. Vale a pena lembrar essa história, até porque essas foi a única vez em que Salazar conseguiu ser eleito para um cargo político.
Marcadas as eleições legislativas para 10 de Julho daquele ano, em Junho começaram as movimentações para a indicação dos candidatos pelos diferentes partidos. Pelos monárquicos, cuja influência política estava a crescer em Guimarães, anuncia-se a candidatura de Alfredo Pimenta, que de republicano radical, proveniente da fileira anarquista, se passou para a causa monárquica. O jornal dos seus antigos correlegionários de Guimarães, A Velha Guarda, lamentaria que os monárquicos deste círculo não tivessem encontrada criatura mais idónea para os representar no parlamento do que o célebre Alfredo Pimenta, quando havia nas suas hostes homens mais dignos, mais nobre e competentes. E concluía: ou está tudo doido, ou a disputa das eleições pelos monárquicos neste círculo não passa duma comédia.
Os monárquicos de Guimarães não acusariam o toque, assumindo Alfredo Pimenta como o seu candidato que, em O Comércio de Guimarães de 28 de Junho, fez publicar um manifesto que dirigiu aos eleitores do círculo de Guimarães, em que se apresentava como um monárquico cada vez mais extremista que se candidatava em defesa das causas da Igreja e da Monarquia. E fazia questão de acentuar que, para ele, a causa da Monarquia era a Monarquia representada na pessoa de El-Rei o Senhor D. Manuel II.
Alfredo Pimenta não chegaria a ir às urnas pelos monárquicos de Guimarães. No Comércio de Guimarães de 8 de Julho, afirmava-se que o Centro Católico com os seus pactos, obrigou os monárquicos vimaranenses a desistir de ir às urnas. E anunciava-se que
Os monárquicos de Guimarães, unidos e disciplinados, resolveram não ir às urnas. É uma abstenção honrosa! Mostramos assim que nunca nos juntaremos com os inimigos da nossa religião.
Sabe-se que o rei deposto, D. Manuel II, terá movido influências para que os seus seguidores do círculo de Guimarães votassem no candidato do Centro Católico, o que levou à retirada de Alfredo pimenta (que seria candidato dos monárquicos por Santo Tirso, não tendo conseguido a eleição que em Guimarães aprecia certa). Entretanto, o Centro Católico acertou agulhas com os liberais, que resultou na inclusão do candidato católico na lista do partido governamental, o dos liberais. Perante esta situação, que os obrigaria a votar num candidato de fora, imposto pelas cúpulas partidárias, e não no vimaranense Alfredo Pimenta, os responsáveis monárquicos de Guimarães decidiram, como vimos, apelar à abstenção.
No entanto, muitos monárquicos manuelistas de Guimarães acabaram por votar nas eleições do dia 10 de Julho de 1921. Todavia, em sinal de protesto, muitos riscaram do boletim de voto o nome do candidato do Centro Católico que retirara o lugar a Alfredo Pimenta, escrevendo no seu lugar o de Mariano Felgueiras, que era candidato pelos Democráticos (Partido Republicano Português).
Nessas eleições, que ficariam marcadas por suspeitas de irregularidades e chapeladas, o candidato proposto pelo Centro Católico seria eleito na lista dos liberais era um jovem lente da Universidade de Coimbra que já falhara a eleição para deputado nas eleições de 1919 pelo círculo de Viana do Castelo, completamente desconhecido em Guimarães, chamado António de Oliveira Salazar. Este deputado não ficará para a história enquanto representante dos eleitores do círculo de Guimarães. Não fez melhor figura do que a que faria o Colosso de Pedralva, caso tivesse sido ele o candidato eleito.
No dia 25 de Julho, na abertura da legislatura, o deputado Salazar marcou presença entre os 156 deputados eleitos, quatro dos quais representantes do círculo de Guimarães. Além dele, apenas tinha assento na Câmara dos Deputados um outro deputado do Centro Católico, José Maria Braga da Cruz, eleito pelo círculo de Braga  (um terceiro eleito, por Portalegre, não viu o seu mandato confirmado). No final da sessão, terá dito para o seu correlegionário:
Ature-os por cá, que eu vou para férias. Em Outubro talvez fale.
Não falaria. Salazar não voltaria a pôr os pés em S. Bento na qualidade de deputado. O que não o impediu de ser eleito, em sessões sucessivas realizadas durante o mês de Agosto, para a Comissão do Orçamento, para a Comissão de Estatística e para a Comissão de Instrução Superior e de ser nomeado, pelo Presidente da Câmara dos Deputados, para a Comissão de Contas Públicas.
A legislatura em que Salazar foi deputado por Guimarães terminaria ao fim de quatro meses, com a dissolução do Parlamento no dia 6 de Novembro. Durante esse tempo, Salazar gozou um longo período de férias, teve uma crise existencial, andou deprimido, lutou contra a gripe e debateu-se com enxaquecas. Confidenciou a uma amiga o quanto lhe custava ser deputado: continua a magoar-me, a doer como um espinho que dia e noite tivesse cravado em mim
Decididamente, António de Oliveira Salazar não tinha queda para a democracia representativa…

Foi deputado por Guimarães, mas os vimaranenses nem deram por ele.

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1 Comentários

ZeBarreto disse…
Boa tarde! Qual a fonte em que se baseou a respeito do acordo entre liberais e católicos nas eleições de 1921 em Guimarães (candidatura de Salazar)?