Leituras: "Escola do Godinho", de Jerónimo S. G. Silva

A Escola do Godinho, por Jerónimo Sousa Gonçalves Silva

Este tem sido um tempo especialmente fértil em matéria de edição de livros em Guimarães. A CEC deixa-nos uma avalanche de livros que fará parte do que fica para memória futura do que foi o ano de 2012 em Guimarães. Mas há mais. Há outros livros novos, que foram saindo por estes dias fora do chapéu da Capital Europeia da Cultura. Falemos deles, de uns e dos outros.

Não começo pelo princípio, mas começo por um livro de um amigo, que, apesar de demasiado jovem para escrever as suas memórias, tem muito que contar. Jerónimo Sousa Gonçalves Silva foi ao baú das suas memórias de infância e recuperou as lembranças dos dias em que frequentou a Escola Masculina do Sagrado Coração de Jesus, que funcionou no antigo Convento de Santa Rosa do Lima, das freiras dominicas, a que os vimaranenses chamam dominícas. É a velha Escola do Godinho, que existiu em Guimarães no tempo pré-histórico em que as escolas se dividiam em masculinas e femininas.

O livro “Escola do Godinho” foi editado pela Associação dos Antigos Estudantes da Escola Masculina do Sagrado Coração de Jesus, com o apoio da Junta de Freguesia de S. Sebastião.

Como fui um leitor privilegiado desta obra, que li antes de publicada, aqui deixo as minhas impressões de leitura que lhe serviram de prefácio:


Jerónimo Sousa Gonçalves Silva é uma daquelas pessoas em que pensámos quando procurámos encontrar o arquétipo do homo vimaranensis, esse ser único, solidário, aguerrido, voluntarioso, sem papas na língua, vernáculo e, acima de tudo, profundamente genuíno, que habita o Berço da Nacionalidade. Apresenta-se como desenhador e criador de ferragens seculares e restaurador de ferragens antigas, mas há muito que também o conhecemos como um dos mais atentos guardiões das nossas memórias e das nossas tradições colectivas. Hoje em dia, a generalidade dos estabelecimentos comerciais lojas não resume-se à condição de balcões onde se vendem diferentes géneros de mercadorias. Mas não é assim na quase secular Casa Ferreira da Cunha, onde se mantêm as velhas práticas de sociabilidade características do modo de receber e de frequentar do comércio tradicional. Na Casa Ferreira da Cunha ainda se praticam as antigas artes da cavaqueira, preservando-se os usos e os costumes que vigoraram na generalidade das lojas do Toural até meados do século XX que, além de estabelecimentos de comércio, eram espaços tertúlia, onde se sabiam as novidades e se conversava da vida, da própria e da alheia.

Cultor e praticante da boa conversa, Jerónimo Silva é um prodigioso guardião de novas e antigas histórias, muitas delas indizíveis. No ramo das ferragens e afins, na sua loja não há problema que não tenha solução, assim como não há pergunta que não tenha resposta, seja qual for o assunto de que se trate. Nesta matéria, reproduz a sua atitude de lojista e artesão: se, no momento, não há o que se pretende, amanhã haverá.

Aqui há uns anos, um vimaranense imaginário, mergulhando na fantasia de tentar traçar o perfil antropológico dos habitantes deste velho burgo, decretou que “em Guimarães somos todos historiadores”. É este traço do modo de ser vimaranense em que reflicto quando termino a leitura deste objecto sui generis em forma de livro que agora temos entre mãos, onde a História de um velho convento se cruza com as estórias que povoam a memória de alguém que ali passou boa parte da sua infância, nos bancos de uma escola austera e autoritária.

Aquilo que escorre pelas páginas que se seguem, mais do que o ensaio de reconstituição da história dos conventos de Guimarães, em geral, e do Convento de Santa Rosa do Lima, em particular, é algo de que em Guimarães, apesar de ser terra muito dada ao conhecimento do passado, não há grande tradição: o registo e a partilha de memórias. Esta obra de Jerónimo Silva, por onde não passam afectações de erudição, ao fixar e partilhar recordações do seu autor, é um antídoto contra o esquecimento que marca o tempo em que vivemos.

Que não fique por aqui e que outros lhe sigam o exemplo.

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