D. Miguel I coroado rei absoluto de Portugal. Note-se que, desde D. João IV, os reis de Portugal deixaram de ser coroados, como já vimos aqui. |
7 de Julho de 1829
De tarde houve um solene
Te Deum na Colegiada, ao qual assistiu a maior parte da nobreza, clero, etc.
Findo este religioso acto, saiu do terreiro das Claras um asseadíssimo carro
com a real efígie de S. Majestade, o sr. D. Miguel I, acompanhado e puxado por
cónegos, frades e outras pessoas de diferentes classes. Não só estavam
endamascadas as janelas das ruas por onde passou este carro, mas também quase
todas as ruas e becos da vila. À noite houve iluminação geral e vários grupos
de gente cantando hinos. Os foguetes do ar e os repiques de sino foram imensos.
PL
(João Lopes de Faria, Efemérides
Vimaranenses, manuscrito da Biblioteca da Sociedade Martins Sarmento, vol.
III, p. 19)
No dia 26 de Fevereiro
de 1828, respeitando o compromisso que assumira com o seu irmão, D. Pedro,
Imperador do Brasil, o infante D. Miguel jurou a Carta Constitucional. Dias depois,
proibia o Hino da Carta, cujo autor era o seu irmão. No início de Maio, D. Pedro, no Rio de Janeiro, declarou que a sua
abdicação era definitiva, designando formalmente D. Miguel como regente, em
nome da sua filha de D. Maria II. Por ironia, esse foi o mesmo dia em que, do outro
lado do Atlântico, D. Miguel convocou Cortes à maneira antiga com o
propósito de se fazer proclamar rei absoluto de Portugal. No dia 23 de Junho,
com as cortes reunidas em Lisboa, José Acúrsio das Neves propôs aos três
estados que se levantasse D. Miguel como rei de Portugal. No dia 7 de Julho, D.
Miguel jurou as leis fundamentais da monarquia portuguesa, sendo aclamado rei
absoluto de Portugal.
Os tempos que se
seguiriam seriam de júbilo e de terror. Os derrotados de ontem eram os
vitoriosos de hoje e não foram brandos nas perseguições que moveram aos
constitucionais. O país iria dividir-se num conflito dilacerante e fratricida.
A prisão, o degredo, a forca foram os instrumentos da repressão dos dias
turbulentos que se seguiram até à vitória definitiva dos liberais, em 1834.
Quando passava um ano
sobre a aclamação de D. Miguel, Guimarães era uma terra dividida entre os
festejos, que estavam sempre a acontecer, assinalando aniversários das figuras
do absolutismo reencarnado em Portugal (D. Miguel e a sua mãe e mentora, a rainha Carlota
Joaquina) e outras datas simbólicas da restauração absolutista. Eram
frequentes as celebrações festivas com te deuns na Igreja da Colegiada, os repiques dos
sinos, as colchas nas janelas e nas varandas, as corridas de touros, que o rei
usurpador ia recompensando com a concessão da graça do uso da
mealha com a sua real efígie, ao mesmo tempo que as perseguições aos suspeitos
de rebeldes e constitucionais eram cada vez mais ferozes,
nomeadamente as que eram movidas pelo batalhão dos Voluntários Realistas de
Guimarães, que o Visconde da Azenha, “o maior dos miguelistas de Guimarães”,
nas palavras do cónego Pereira Lopes, tratara de organizar.
No dia 7 de Julho de
1829, foram grandes os festejos em Guimarães (ao mesmo tempo, apertava-se o
cerco aos religiosos suspeitos de simpatias constitucionais, que eram alvo de
uma devassa eclesiástica, que levou a que o próprio Pereira Lopes, sentindo-se
ameaçado, saísse de casa). A festa havia sido anunciada de véspera, com a saída
de um bando solene, em que se incorporaram o procurador da Câmara e os mesteres
e ofícios com as respectivas bandeiras, através do qual a Câmara mandava que, na noite
seguinte, se iluminassem as casas e se adornassem as janelas das ruas por onde
iria passar um “carro com a real efígie do sr. D. Miguel”.
O jornal o Correio
do Porto descreveria desenvolvidamente as celebrações de Guimarães do
dia 7 de Julho de 1829:
À aurora ressoou uma salva
real, dada no terreiro propínquo à casa do coronel comandante dos Voluntários
Realistas, acompanhada de imensas girândolas de foguetes. Ao meio-dia, outra
salva e foguetes, sempre vivas. Terreiros, ruas e becos cercados de bandeiras,
e os habitantes, à falta de bandeiras, xailes em falta, às janelas tudo que era
vermelho. O Te Deum, presidido pelo chantre, com assistência de
todas as autoridades, câmara, coronel comandante do batalhão de Voluntários com
toda a oficialidade, corporações religiosas e muitas pessoas de todas as ordens
e sexos. O carro com a Real Efígie num trono eminente com a figura de Portugal
aos pés, recitando em verso heróico as suas grandezas, e alguns génios cantando
os seus louvores; acompanhado sempre por aquelas autoridades, câmara e mais
justiças, com seus vestidos de corte de gala e por todo o batalhão de V. R.,
por entre bem adornadas e guarnecidas janelas, por debaixo de uma incessante e
engraçada chuva de mimosas flores, e sobre odoríferas e aromáticas ervas de que
se alcatifava o solo; recolhendo às casas da Câmara, e três tardes de corridas
de touros. Acabado o Te Deum apareceu na casa do Arco, onde existe a família do
visconde de Azenha, o Retrato de El Rei Nosso Senhor, com um majestoso docel
magnificamente ornado, com uma guarda de Voluntários, comandada por um capitão,
onde se amontoou o povo em grande número, e se conservou até muito depois da
meia-noite; às 9 horas da mesma principiaram os repiques em todas as torres e
mostrou-se a vila toda iluminada, subindo aos ares, além de outra salva real,
imensas girândolas de foguetes. Toda a nobreza se juntou na casa do visconde de
Azenha donde se recitaram Odes Pindáricas, Sonetos e Décimas, todas
dirigidas à Majestosa Efígie de El-Rei Nosso Senhor e finalmente tudo se
concluiu, saindo dali o povo pelas ruas, formando ordenadas alas, entoando
hinos e amontoando vivas à Religião Católica Apostólica Romana, a el-rei o sr.
D. Miguel I, à senhora D. Carlota Joaquina, Nossa Imortal Imperatriz Rainha, e
a toda a família real.
(notícia transcrita in
João Lopes de Faria, Efemérides Vimaranenses, manuscrito da
Biblioteca da Sociedade Martins Sarmento, vol. III, p. 17)
Nos dias seguintes, os
festejos prosseguiriam, com máscaras e touros no Campo da Feira. No dia 19,
ainda continuavam as celebrações, com touros no terreiro de Santa Clara, com
máscaras e com um baile.
(Pelos mesmos dias,
chegava a Guimarães a notícia da condenação, na Alçada do Porto, pelo crime de
rebelião, do ex-capitão do Regimento de Milícias de Guimarães Inácio
Moniz Coelho da Silva, natural de Creixomil. Foi-lhe sentenciada a pena de
morte “numa das forcas que se acham levantadas na Praça Nova, sendo-lhe depois
decepada a cabeça, e posta na Praça do Toural, na vila de Guimarães”. A pena
acabaria comutada por D. Miguel em degredo perpétuo para África, tendo embarcado em Novembro daquele ano para
o presídio de Inhambane. Regressaria a Guimarães em 1837.)
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