Milagre de Ourique - Gravura da colecção da Sociedade Martins Sarmento |
25 de Julho de 1139
Vitória de Ourique que
confere a D. Afonso Henriques o título de rei e a Guimarães o de Berço da
Monarquia. Neste dia, foi terça-feira.
(João Lopes de Faria, Efemérides Vimaranenses, manuscrito
da Biblioteca da Sociedade Martins Sarmento, vol. III, p. 69 v.)
25 de Julho, como a tragédia
da Galiza acaba de nos lembrar, é o dia da festa do apóstolo São Tiago. É também
a data em que se assinala a Batalha de Ourique que a historiografia tradicional
coloca como o da fundação da nacionalidade portuguesa (apesar de Alexandre
Herculano ter colocado a Batalha de S. Mamede no seu lugar no nascimento de
Portugal: “Se na batalha do campo de S. Mamede, em que Afonso Henriques
arrancou definitivamente o poder das mãos de sua mãe, ou antes das do conde de
Trava, a sorte das armas lhe houvera sido adversa, constituiríamos
provavelmente hoje uma província de Espanha”, escreveu em O Bobo). Mesmo em Guimarães, só na década de 1920 é que se começa a
afirmar a consciência da importância do 24 de Junho de 1128 no contexto da
fundação da nação portuguesa. Até aí, Afonso Henriques era apresentado quase
sempre como o “herói de Ourique”, o “vulto grandioso de Ourique”, “glorioso
vencedor de Ourique” ou o “heróico batalhador do campo de Ourique”. S. Mamede
ficava confinada ao papel de prólogo da independência nacional.
A importância atribuída
a Ourique na formação de Portugal como país independente prende-se com uma
suposta aparição de Cristo a Afonso Henriques que serviu para justificar Portugal
como país necessário e muito cristão e para afirmar a devoção, que o aproximava
da santidade, do seu primeiro rei. A lenda do milagre de Ourique, que só começou
a ser contada em textos do século XV, conta que, quando se preparava para um
recontro com os exército de cinco reis mouros, com uma imensa desproporção de
forças em desfavor dos cristãos, Afonso Henriques teve um encontro com um eremita
que lhe anunciou que sairia vencedor da batalha e que o próprio Cristo na cruz lhe apareceria naquela madrugada. Assim aconteceu. Rei e soldados foram para a
batalha depois de se confessarem e receberem a comunhão. As hostes de Afonso
Henriques venceram os cinco reis mouros, cujos escudos passaram a estar representados
no emblema nacional. Portugal nascia assim por manifesta vontade divina.
Alexandre Herculano, na
sua História de Portugal, não atribuiu qualquer significado ao milagre de
Ourique, tendo sido fortemente contestado pelo clero. Escreveria mais tarde:
Narrando no primeiro volume da História de
Portugal o recontro de Julho de 1139 em Ourique, reduzido às dimensões que supus
e suponho exactas, omiti a fábula do aparecimento de Cristo, como coisa indigna
da gravidade da história, e sob certo aspecto demasiado irreverente para com o
sublime Fundador do Cristianismo. Apenas numa nota aludi a essa tradição absurda,
afirmando que se estribava num documento falso, o célebre juramento atribuído a
Afonso I, juramento que ainda existe no suposto original. Eis o grande escândalo
para os pregadores de Lisboa. Confesso que aí tratei esse embuste com o desprezo
que ele merece, porque na verdade, conhecendo eu muitos diplomas forjados com
maior ou menor destreza, este é, sem contradição, o mais inabilmente executado.
As poucas palavras que dediquei a semelhante
ninharia suscitaram o zelo de alguns indivíduos, persuadidos de que eu tinha
despedaçado com as três ou quatro linhas que a tal propósito escrevi, o paládio
da independência nacional, que bem fraca independência seria se estivesse como
adscrita à crença ou à descrença num conto de velhas.
Alexandre Herculano, Eu e o clero, carta ao em.[mo] cardeal-patriarcha, 1850, pp. 7-8
A importância de Ourique para a
independência nacional situa-se muito mais no plano do mito do que da história.
Herculano classifica o milagre, como vimos, como uma fábula, uma tradição absurda,
um embuste, uma ninharia e um conto de velhas.
Na polémica que então travou, Herculano
ganhou muitos inimigos, nomeadamente entre membros do clero, não faltando defensores
dos fundamentos místicos da formação de Portugal. Para muitos, Afonso Henriques
era um santo (houve mesmo um processo para a sua canonização). E, no entanto,
ainda nem sequer se sabe ao certo que Ourique era aquela em cujos campos a
batalha se travou, nem há certeza quando ao dia em que Afonso Henriques se
bateu com cinco reis mouros.
Não será por acaso que a batalha aparece
como tendo acontecido no dia de São Tiago. Existem várias lendas que colocam o
apóstolo São Tiago ao lado dos cristãos que combatiam os mouros. Esteve, por exemplo,
ao lado de Ramiro I, de Aragão, na batalha de Clavijo. Na lenda de Ourique,
Cristo apareceu em vez de S. Tiago. Ao apóstolo também chamavam de São Tiago Mata-mouros.
Por coincidência, ou
talvez não, as crónicas dizem que Afonso Henriques nasceu no dia 25 de Julho de
1109. Ourique aconteceu no dia em que completava trinta anos. Não terá sido por
acaso.
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