Antigo Convento das Capuchinhas de Guimarães |
21 de Junho de 1693
A varonil Catarina das Chagas, instituidora do Convento das Capuchinhas
em Guimarães, tendo ido a Roma, disfarçada, em trajes de homem, para evitar os
perigos da jornada, ao cabo de três anos, protegida por cartas de El-rei D.
Pedro II e dos duques do Cadaval, consegue, do pontífice Inocêncio XII, a
aprovação para o seu Instituto e regra 1ª de Santa Clara.
(João Lopes de Faria, Efemérides
Vimaranenses, manuscrito da Biblioteca da Sociedade Martins Sarmento, vol.
II, p. 286)
Catarina das Chagas, filha de uma família abastada do Porto, chegou a
Guimarães no dia 27 de Julho de 1661, tendo sido admitida no Recolhimento do Anjo,
beatério da Ordem Terceira de S. Francisco que se situava no antigo Largo de S.
Paio (actual Condessa do Juncal). Tomou como protector Frei Francisco de S. Salvador, comissário da
Ordem.
Em Junho de 1672, estava
instalado na Rua de Val-de-Donas um novo recolhimento de Capuchas, do qual
Catarina das Chagas foi investida pelo seu protector nas funções de Regente. Quatro
companheiras do Recolhimento Anjo a acompanharam. Passados dois anos, as
Capuchas de Guimarães adquiriram, por intermédio de Frei Francisco do Salvador,
um terreno conhecido por Campo do Galego. O vendedor foi o fidalgo Francisco de
Sousa Mesquita, tendo a escritura sido assinada na sua casa, na Quinte de Vila
Pouca. Foi aí que foi erguido o Convento da Madre de Deus ou das Capuchinhas de
Guimarães. A mudança das recolhidas de Val-de-Donas para o mosteiro do Campo do
Galego concretizou-se com uma procissão solene. Foi no dia 4 de Abril de 1683 e
contou com a participação de todos os religiosos da vila de Guimarães.
Estando as recolhidas do
mosteiro do Campo do Galego determinadas a aí estabelecerem um estabelecimento
de freiras capuchas, necessitavam da aprovação papal da respectiva regra. Em
1690, Catarina das Chagas vai a Lisboa, onde estava o seu protector, então Comissário
dos terceiros de S. Francisco naquela cidade, Frei Francisco de S. Salvador,
pedindo-lhe que intercedesse para que se concretizasse o seu projecto. Não
obteria mais do que a repreensão do comissário, por ter abandonado o mosteiro
de Guimarães sem a sua autorização.
No entanto, a
determinação de Catarina das Chagas não foi abalada pela reprimenda.
Vestindo-se de homem,
para evitar maiores perigos, embarcou num navio e seguiu ela própria para Roma.
Diz o Padre Torcato Peixoto de Azevedo que, quando escrevia as suas Memórias
Ressuscitadas da Antiga Guimarães, Catarina das Chagas ainda estava em Roma, “sem
ter fim a sua pretensão”. A fundadora do Convento das Capuchinhas de Guimarães
conseguiria obter do papa o beneplácito que fora expressamente procurar a Roma.
Ao fim de três anos, estava em condições de regressar a Guimarães trazendo
consigo um breve do papa Inocêncio
XII, em que aprovava a criação em Guimarães de um instituto de capuchinhas e a correspondente
rega.
Todavia, Catarina das
Chagas nunca veria consumado o seu sonho. Acabaria por falecer na viagem de
regresso, ficando sepultada em Carauz (lugar que não conseguimos
identificar),na diocese de Pamplona.
As determinações do breve
de Inocêncio XII não seriam concretizadas. Só no dia 17 de Agosto de 1715, por
intervenção do arcebispo de D. Rodrigo de Moura Teles, que para o efeito obteve um novo breve,
dado pelo Papa Clemente, aprovando o Instituto das Capuchinhas de Guimarães, em
cujo convento funcionam hoje as Oficinas de S. José.
Afastado da sobredita
capela de Nossa Senhora da Consolação, cento e sessenta palmos para o vendaval
no campo do Galego, ou rosal de Santa Isabel, se fundou o mosteiro de suas
religiosas em 1681, com esmolas que juntou o padre Fr. Francisco de S. Salvador, comissário dos Terceiros no
convento de S. Francisco, religioso de conhecida virtude.
O especial motivo para
esta fundação foram umas moças de boa criação, e vida, que quiseram gastar seus
bens recolhidamente servindo a Deus, para o que compraram umas casas na rua de
Val-de-Donas, e ali despojadas dos bens do mundo, começaram de aspirar aos
bens do céu, em que conheciam permanência: e ali vestidas de saial se entregaram à
frequência dos sacramentos e exercício das virtudes, e cingidas com o cordão de
S. Francisco fizeram profissão na Ordem Terceira deste Patriarca: e
vendo o padre comissário suas vocações e suas penitentes vidas lhe buscou uma
digna mestra, para que com seu exemplo fossem seguindo o caminho verdadeiro da
salvação.
Estava então no Recolhimento
do Anjo, que já era de Terceiros de S. Francisco, Catarina das Chagas, filha
espiritual do dito padre comissário, a qual ele julgava capaz para ir
cultivando estas mimosas plantas da jardim da militante Igreja, as quais
entregou ao seu cuidado, e entregando-as à sua obediência lhe deram o título de
Regente, e fundaram na mesma casa um oratório, que invocaram de Santa Isabel: e vestindo-se de
mais áspero traje e descalças, receberam nova vida imitando sua mestra e,
tomando por mãe sua admirável protectora, a quiseram imitar. Este exemplo se comunicou, e
acendeu no desejo de outras, que desprezando as vaidades do mundo foram buscar
a sua companhia para seguirem mais seguro caminho de salvação.
Neste oratório se
conservaram até aos 4 dias de Abril de 1683, dia de quarta-feira de trevas, em
que saíram em procissão acompanhadas do Cabido da Real Colegiada, e de todas as religiões da vila, clerezia,
e Santíssimo Sacramento, e se foram recolher neste mosteiro do campo do Galego,
e ali lhe pregou o dito padre comissário encarregando-as da
guarda dos preceitos da vida religiosa.
Neste recolhimento estão
em voluntária clausura, imitando a sua protectora Santa Isabel; porém aspirando
todas a uma obrigatória clausura e vendo que esta se lhe dificultava saiu em
1690 a regente Catarina das Chagas, e foi à corte de Lisboa, em busca de seu
virtuoso director F. Francisco do Salvador, o qual dizem lhe administrou os
sacramentos sem já a conhecer.
Vendo-se esta desconhecida
de seu director, a quem tantas vezes havia falado, e de quem tinha recebido
aquele penitente hábito se lhe deu a conhecer e lhe comunicou a resolução em
que estava de ir a Roma pedir ao Santo Padre o breve para a sua clausura e
ficou este muito admirado e pouco satisfeito da sua deliberação em sair do
recolhimento sem sua licença, porque suposto ele se achava comissário dos Terceiros no convento de Lisboa,
sempre aquele recolhimento estava à sua obediência, e ele como fundador tinha
tomado por sua conta o seu aumento: pelo que estranhando-lhe sua saída, lhe
aprovava o fim, mas não o modo, e a despediu com ásperas palavras. Não foram
estas bastante estorvo para o seu intento, e tomando lugar em um navio,
entregando-se no cuidado de seu Criador, a cuja honra só aspirava, se foi
conduzindo para a cidade de Roma, aonde ainda se conserva sem ter fim a sua
pretensão.
É este recolhimento de
Santa Isabel muito alegre por estar em lugar eminente, donde se descobre a
maior parte desta vila. É feito à capucha, mas com perfeição. A igreja tem
porta principal para o nascente, e as oficinas para poente, tem cerca, que por
ser em lugar eminente de nenhuma parte se devassa, e dentro tem muita água, e é bem assistido pela caridade do povo.
Padre Torcato Peixoto de
Azevedo, Memórias Ressuscitadas da Antiga
Guimarães, [1692], Porto, 1845, pp. 348-350
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