Milagre de S. Nicolau |
Os jornais
são omissos quanto às Festas Nicolinas de 1917. Apenas o Ecos de Guimarães de 25 de Novembro notícia que a comissão eleita
trabalha com grande actividade para que as festas revistam grande brilho. Por aqueles dias, os estudantes de Guimarães
estavam em greve, em solidariedade com os seus colegas de todo o país que
contestavam a reforma do ensino liceal que estava na ordem do dia.
O pregão
foi, mais uma vez,escrito por Leão Martins, tendo sido recitado por Fausto de
Meneses Leite Pinto Mourão. E é o que sabemos, sobre as festas de 1917.
O pregão,
onde não constam referências, ao contrário do que é habitual, a outros números
das festas a S. Nicolau, está repleto de referências a acontecimentos ocorridos
naquele ano: a morte de José Martins (Aldão), a proposta apresentada pelo Cónego
José Maria Gomes locais, na Câmara dos Deputados, onde tinha assento, para a
elevação do Liceu de Guimarães à categoria de Liceu Central, à carestia e à
fome, à guerra, às últimas eleições.
BANDO ESCOLÁSTICO
RECITADO EM 5 DE DEZEMBRO DE 1917, PELO
ESTUDANTE DO QUINTO ANO
Fausto de Meneses Leite Pinto Mourão
Recordar é
viver — reza assim um ditado,
Se lembrámos
um feito, um acto já passado.
Pomos
grandes também e cobertos de glória,
Em tempos
que lá vão, segundo diz a História.
Passado aventureiro,
heróico e grandioso,
Senhores da
Terra e Mar, país maravilhoso!
Se outrora
Nicolau vos dava que falar
Não há
motivo algum para se não festejar
O Santo, o
nosso guia, o nosso protector,
O pai da
mocidade, exímio salvador.
Se a Festa
não tem brilho usado em tempos idos
Que não julguem
em nós os ânimos perdidos.
Sem aquele
esplendor, sem galas e aparato,
Para a gente
o festival não passa a caricato.
Existe a
tradição e ela há-de reviver,
Enquanto no
Liceu um estudante houver.
Oh mestres
do Liceu, insignes professores,
E que nos
resistis à cabulice arteira!
Queremos vos
pedir uns naturais favore
Para bem do
estudante e da sua carreira:
Que a Festa
a Nicolina a mal não a leveis,
A Festa
iniciada em epocas remotas;
Auxílio para
nós — futuros bacharéis,
Que passemos
no fim com lindíssimas notas.
Já que
falando estou do bom professorado
É justo agradecer,
com toda a simpatia,
O bem com
que dotou nosso liceu amado
Ao ilustre
senhor Cónego Zé Maria.
Se inda não
funciona o Central em questão,
A culpa de
quem foi? Se nisto não me engano,
Devemos
estender sinceramente a mão
Ao novel
bacharel — augusto Mariano.
A vida
actualmente às almas causa dor.
Dois campos
desiguais — qual deles o melhor?
Por um lado
a guerra úteis braços consome,
Por outro
lado então vai imperando a fome.
Acaso vós
sabeis o que seja morrer
À míngua dum
só pão, para o corpo entreter?
Mesmo à
falta dum caldo, umas ervas até;
O sustento
dum pobre, a mísera ralé?
O azeite
encareceu, o milho e o feijão
Subiram a um
preço tal que fere o coração,
E o cortejo
da fome — o povo da desgraça,
Engrossa dia
a dia, e pelas ruas passa,
Cabisbaixo,
impaciente, aflito, esfarrapado,
Olhos rubros
de fogo, o rosto espezinhado;
Crianças de
tenra idade estropiando às portas,
Às horas do
jantar, de noite a horas mortas.
Vai aumentando
sempre e sempre o aluvião
Que nos
confrange a alma, a vida, o coração.
E morre um
esfaimado a um canto —c ão rafeiro,
Para o
açambarcador encher-se de dinheiro.
—Açambarcador
vil: escroque já sem nome,
Que levas a
qualquer parte a miséria, a forne:
Tu hás-de
ter um fim, ao mal que tens causado,
Mais triste
que um cào às vozes de danado!
Por sua vez
a guerra indómita, infernal,
A pouco e
pouco vai levando Portugal
À grave
derrocada, ao abismo profundo.
Sem forças,
tão velhinho, a pelejar no mundo,
A gastar o
melhor, a ruinar o que tem,
Para levar
no final o pontapé de alguém.
Triste futuro
o nosso, incerto, vão destino…
Ou não
fossemos nós país tão pequenino.
O brilho
auroreal de todo o estudante
Enérgico
defende a sua aspiração,
Indo de
encontro às leis dum Ministro pedante,
Fraco
legislador na pasta da Instrução.
Quando
dirijo a vista ao cimo da montanha,
Onde situada
fica a encantadora Penha,
A querer
chegar ao Céu e ao vasto Infinito…
Eu ponho-me
a pensar a sério, já se vê,
Como pode
nascer um moderno chalet,
Na base dum
rochedo ou fendas de granito?...
E quando eu
cerro a vista e me ponho a pensar
Nas findas
eleições que deram que falar,
Com bomba e
tiroteio e chapelada bela;
Pergunto:
valerá, nos tempos actuais,
Sentar-se
feito réu, nos sérios tribunais,
Um pacato
senhor por causa da gamela?
Das eleições
aqui o povo o que nos diz?
Porventura
haverá um cidadão que as louve?
Foi mais uma
vergonha, um escarro no país,
Que nos faz
perguntar, em voz alta: — O qué couve?
Há pouco
tempo ainda a morte nos levou
Um homem
santo e bom, um nobre de valia;
O nosso
coração de crepes se enfeitou
E lágrimas
de dor verteu a academia.
Amigo da
pobreza e mais de toda a gente,
De carácter
sincero, alma de estimação;
Homem já tão
velhinho, a sorrir meigamente,
Fugindo para
Deus — José Martins (Aldão)
Jerónimo Sampaio, o
conceituado agente
Da Sagres companhia, em pleno povoado,
Previne
Guimarães, em peso, altivamente,
Do seguinte
a saber: todo o homem honrado
Que um seguro
deseje ou haja de o fazer
Gentileza
fará (o caso nunca esquece)
De sempre o
procurar, se assim lhes aprouver,
Pelo que
desde já muitíssimo agradece.
Ao norte do
país, na província do Minho,
De há
séculos que existe um fresco quarteirão
De terra bem
pequeno, airoso, tratadinho
Com o devido
cuidado, amor e perfeição;
Ao norte do
país, deste país risonho
Onde paira
um castelo a verdes guarnecido,
Demonstrando
ao porvir seu passado grandioso,
De quantos é
amado e de quantos foi querido;
Ao norte do
país, à beira mar plantado
De paisagem
soberbo —a specto divinal!
Existe um
canteirito alegre e perfumado,
Um mimoso
jardim como não há igual,
Onde viceja
o goivo, a trepadeira mansa,
A dália, o
jasmim, o cravo, a saudade, o lírio,
A camélia, o
bem-me-quer, um sonho, uma esperança...
Que nos faz
desvairar ao ponto do delírio!
Um canteiro
tão lindo, ameno e salutar,
Como não se
verá assim em qualquer parte...
—Que fada
desceria à terra a imaginar
Canteiro tão
grácil, com tanto mimo e arte?
As flores do
jardim, tão lindas, perfumadas,
Sois vós,
damas gentis, oh deusas delicacias!
E o canteiro
florido — a quem nós tanto queremos,
A velha
Guimarães — torrão onde nascemos!
Após este
silêncio um barulho infernal.
Embora uns
rufem bem e os outros toquem mal,
Rapazes que
empunhais um bombo ou um tambor:
Batei com toda
a força e rufai a primor!
Mostrai que
tendes pulso e mãos desempenadas!
Que
estremeçam casais, os muros e as estradas!
Estrondo prolongado
e forte e que soe bem
Que saber de
vós quero o que mais força tem!!
Leão Martins
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