O
pregão de 1910 foi recitado no dia em que se cumpriam dois meses sobre a
revolução que instaurou a República. Como sucedeu noutras revoluções, não
faltou quem viesse proclamar a necessidade de extinção das festas dos
estudantes a S. Nicolau, classificadas como um arcaísmo que era necessário
desmontar e fazer substituir por algo mais conforme com os tempos que se
viviam.
Apesar
destas opiniões, as festas de 1910 fizeram-se completas e, como anotaria João
Lopes de Faria nas suas Efemérides
Vimaranenses, “todas republicanadas”.
Neste
ano, o autor do pregão foi o republicano Jerónimo de Almeida e o pregoeiro foi
o estudante “de 5.ª classe” Manuel Joaquim da Silva.
O
texto de 1910 era um manifesto de adesão à nova ordem republicana, onde não
faltava, a gfechar, a saudação que a revolução do 5 de Outubro consagrou: “Saúde
e Fraternidade”.
(4.ª parte do programa geral)
BANDO ESCOLÁSTICO
Recitado pelo aluno de 5.ª classe
MANUEL JOAQUIM DA SILVA
Em 5 Dezembro
Ó Deusa
fabulosa da Sabedoria,
Chegou, uma
vez mais, o teu solene dia!
Somos dos
filhos teus talvez os mais dilectos,
Sendo esse
amor herdado dos avós aos netos
Sempre firme
e leal, como um amor de mães,
Desde que na
briosa e lusa Guimarães
Promovem
esta festa os moços estudantes.
O que ela
agora é, para o que fôra dantes,
Enche de
piedade os ternos corações
Não afeitos
ainda a tais desilusões!
Mas posto que
perdeu esse brilho de outrora,
Façamo-la
outra vez, para lembrá-la agora...
Consola recordar
tudo o que faz saudade:
Recordemos
da festa a sua mocidade
Cheia de
risos, cor, a festa nicolina
Que de luto
vestiu como a nossa batina.
Tende tudo a
morrer de dia para dia,
Tal como
aconteceu à velha monarquia
Que aqui
tivera o Berço, em tempos já remotos,
E depois de
assistir a guerras, terramotos
De lutas
sociais — a inesperada sorte,
Arrebatadamente,
a fez cair de morte!
*
Ó povo de
Lisboa, ó povo heróico e nobre,
Que querendo
igualar o rico com o pobre,
Calcando
tradições, rasgando pergaminhos;
Dando um
golpe mortal nesses cancros daninhos
De vil
hipocrisia e velhos preconceitos;
— Assim
reconquistaste os lídimos direitos,
Levando o
guião novo ao ombro pelas ruas,
Ao som da
“Portuguesa”, entre as espadas nuas,
Na apoteose
imensa e unânime de glória
Feita de mil
canções e gritos de vitória!
*
Soldados
infiéis, de braço corajoso,
Que fostes
combater com o povo revoltoso
Depondo-lhes
nas mãos as próprias espingardas,
O olhar
altivo, o peito a arder, rotas as fardas,
Expondo-vos
à morte, entre brados de avante!
Para que não
morresse a pátria agonizante!
Intrépidos
heróis perante vós me inclino;
Salvastes
Portugal, abrindo-lhe um destino
De
Liberdade, Amor, de Paz e de Justiça,
Hoje podeis
juncar a gloriosa liça
Com ramos de
oliveira e coroas de louro,
Pondo 5 de Outubro era grandes letras de ouro!
*
Preito a
Miguel Bombarda e Cândido dos Reis,
Vítimas a
quem vós jamais olvidareis,
Pois a sua
palavra encorajara tantos
A lutarem ao
pé de Machado dos Santos.
*
Guimarães,
nossa terra amada de poetas,
Sê-lo-ás,
dentro em breve, um modelo de estetas,
Deleitando
passar, em ti, alguns momentos
À sombra dos
jardins, olhando os monumentos.
A câmara
actual, pelo novo regímen,
Há-de
modificar-te, ó Guimarães, num éden!
Vai mandar
arrasar o burgo infecto e velho,
Prolongando
a cidade até ao rio Selho,
Onde se
elevará uma soberba ponte
Cujo nome
será — da Maria da Fonte...
E o célebre
jardim, jardim estilo império
Que o
forasteiro julga ser um cemitério,
Quando dele
não reste o mínimo vestígio,
Muda-se o D.
Afonso, de barrete frígio...
Toda
republicana e toda democrata,
Talvez te
desconheça a gente aristocrata!
Ó
conterrâneos meus, vou dar-vos um conselho...
Haveis-vos
insurgir por tudo que for velho,
Anacrónico;
ireis a par da Evolução
Que os
tempos acompanha, escrava da razão,
E pois que
despontou urna risonha aurora,
Abraçai-a a
cantar, por essa vida fora,
- Que os
mais felizes são os que adoram a vida;
Caminhando
através dessa estrada florida,
Com sorrisos
na boca e lágrimas nos olhos,
Sem ferirdes
os pés nos ta mos dos abrolhos…
Pedantes do
comércio, em coco e fato preto,
Meu governo
também vos faz hoje um decreto:
Querendo
usar da vossa hercúlea e ágil destra,
Podereis
tomar parte activa em nossa orquestra,
Com a
cláusula, porém, para eu não ficar mouco,
De tocardes
zabumba no chapéu de coco...
Mas não vos
envaideça, em ares petulantes,
Ceder-vos um
lugar ao pé dos estudantes;
Tomai um ar
modesto indo no nosso Bando,
Como quem
vai mandado e não quem vai mandando,
Porque em
nos ofendendo alguma zombaria
Bem podeis
esperar, debalde, pela amnistia…
*
Raparigas
humildes e de pé descalço,
Ai quantas
vezes, quantas, vou no vosso encalço,
Em promessas
de amor fiado e enlouquecido,
Para vos
segredar juntinho do ouvido,
E vós fugis,
fugis... nem uma só, de tantas,
Deixou de me
fugir! ai quantas vezes, quantas!
Não ensinam
a amar nossos livros de estudo;
Na matéria
do amor, o amor é sempre mudo
Às falas da
ciência, e só ao sentimento
Atende com
carinho e desvanecimento.
Borboletas
da rua, ó frescas raparigas,
Que passais
descantando amorosas cantigas
Quando é
tarde desceis as duas avenidas
Em bandos
joviais, alegres, divertidas;
Cantai,
cantai, cantai, porque esta vida é boa
Levando-se a
cantar e a rir assim à toa...
Mas qual é a
razão por que nos desprezais
Se nós vos
estimamos e queremos mais
Que ao
latim, ao francês, à fria matemática,
Às ciências
naturais e às regras da gramática?...
O nosso
orgulho, enfim, vosso desprezo torce-o:
Não vos
intimideis com a lei do divórcio...
*
Como a
fábula reza que da branca espuma
Do mar
nascera Vénus, e que Deusa alguma
Possuía da
beleza as formas imortais
Que entre os
Deuses do Olimpo suscitou rivais:
— Assim,
damas gentis, de cabeleiras brunas,
Conjugais na
elegância esguia das colunas,
A brancura
da espuma alvíssima dos mares,
Transparente
e ideal como os gelos polares.
Ah como o
vosso olhar nos alumia a alma,
Dando à
triste boémia umas horas de calma
Douradas de
esperanças, ilusões e sonhos!
Que importa
atravessar os desertos medonhos
Tornando-vos
a ver, rosas de todo o ano!...
Suportamos a
dor, sofre-se o desengano,
Depois de
ter amado, amamos outra vez,
Desejando
morrer aos vossos pés, talvez...
Não nos
abandoneis: se nós sacrificarmos
A vida
alguma vez, é só por vos amarmos.
Cada sorriso
vosso é uma flor de quimera;
Sorri todas,
a ver se volta a Primavera!
Sorri todas,
sorri, para eu ver desabrochar
Cravos,
dálias, jasmins e rosas de cheirar
Nos
canteiros de neve orlando a vossa boca
Ai para vos
amar como esta vida é pouca!
*
Soldados
infiéis à velha monarquia,
Atordoai o
ar com mais fuzilaria,
Num hino sem
compasso, um hino à Liberdade,
Rompendo
triunfal!
Saúde e
Fraternidade.
Jerónimo de Almeida.
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