Máscara do "médico da peste" |
12 de Maio de 1833
Entrou nesta vila uma imensidade de carros de pinhas, ramos de loureiro,
alecrim, etc., tudo por ordem dos juizes almotacés aos juizes da freguesias, os
quais foram distribuídos pelos habitantes da mesma para à noite fazerem
fogueiras às portas da suas casas. Estas medidas, além de outras como a limpeza
das ruas, foram tomadas em consequência de se ter manifestado a cólera morbus (epidemia),
em Lisboa, e em outras partes do reino. PL
(João Lopes de Faria, Efemérides Vimaranenses, manuscrito da Biblioteca
da Sociedade Martins Sarmento, vol. II, p. 138 v.)
A peste compunha, com a fome e com a guerra, a trilogia da morte que aterrorizava
as populações do passado. Hoje sabe-se que a peste bubónica é transmitida por
vectores, isto é, necessita de um portador vivo para contaminar um animal (a
pulga do rato era o principal transmissor de peste ao homem). No passado,
prevalecia a crença de que a infecção se transmitia através do ar que se respira,
pelo que se usavam processos para purificar o ar, através da queima de ervas
aromáticas e outras plantas perfumadas ou para o filtrar, sendo célebres as
máscaras dos médicos da peste, com o seu longo nariz, cujo interior era
preenchido com ervas e perfumes.
Nas epidemias que atingiram Guimarães desde a Idade Média até ao século
XVII, algumas tiveram tal virulência que a população abandonava a vila e ia
refugiar-se em locais onde os ares eram considerados mais saudáveis. O lugar
que hoje conhecemos por S. Roque, na Costa, recebeu esse nome (e uma capela)
por ter sido lugar de refúgio de muitos vimaranenses em tempos de peste (S.
Roque era um dos santos protectores contra a peste). Foi assim na epidemia que
grassou entre 1507 e 1509. A situação no velho burgo de Guimarães atingiu tal gravidade,
que o único remédio que as pessoas encontraram para escapar à doença foi a
fuga. Segundo o Padre Torcato Peixoto de Azevedo, ficou esta vila tão despovoada naquela ocasião,
que dentro dela não ficou coisa vivente.
Debelada a epidemia, o regresso dos moradores foi antecedido por uma operação
de desinfestação, que consistiu em encher a “povoação por alguns dias dos gados dos contornos, para que
com seu bafo sanassem as partes infeccionadas” (“Memórias ressuscitadas da Antiga
Guimarães, Porto, 1845, p. 351-352).
Em 1595, outra epidemia de peste grassou na Europa, atingindo Guimarães, “durou três meses, e não foi grande a
mortandade pela muita cautela”, segundo a descrição o Padre Torcato. Aos
primeiros sinais de infecção, foram tomadas medidas preventivas drásticas:
(…) porquanto apenas morreram os primeiros
feridos do mal, logo puseram guardas em suas casas e habitações, e nas portas da vila, e se saíram dela buscando cada qual o melhor
retiro para poder escapar ao ameaço da morte. A gente que ficou na vila se
vestiu de bocavim, e queimou muitos perfumes, com que se defenderam. (Idem, p. 353)
As práticas que eram adoptadas para a peste,
eram igualmente usadas nas outras epidemias (aliás, no usos corrente, peste
tinha um significado que não se limitava à doença que tem aquele nome, mas era
usada para nomear qualquer epidemia). Assim foi na epidemia de cólera que varreu
a Europa no ano de 1833. Às primeiras notícias de manifestações da doença em
Portugal, logo se tomaram em Guimarães medidas profilácticas. Uma das mais
destacadas foi a distribuição à população da vila de grande quantidade de
pinhas e de plantas odoríficas para serem queimadas durante a noite, às portas das
casas. Esta prática, que teria alguma eficácia para sossegar os espíritos
aterrorizados pela aproximação da epidemia, não tinha qualquer efeito na
prevenção do contágio, uma vez que a bactéria da cólera é transmitida , essencialmente
por água e alimentos contaminados.
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