Pregões a S. Nicolau (44): 1871

Milagre de S. Nicolau


Aparentemente, a facção dos estudantes que saiu vitoriosa do conflito de 1870 foi a que tomou partido pelos estudantes “modernos”. Assim de depreende do facto de o autor do pregão de 1871 ter sido escrito por A. M. Ferreira, o autor de um dos pregões do ano antecedente e também do “improviso alegórico” Mais um contrapeso, lido no dia 6 de Dezembro.
No pregão de 1871, que foi lido por José Eduardo da Costa Mota, não faltam as alusões às dissensões do ano anterior, com referências aos traidor e aos que pretendam fomentar divisões entre os estudantes (que deveriam desenganar-se - Que os filhos de Minerva e não de Marte… / Um só partido têm um só estandarte!).

BANDO ESCOLÁSTICO VIMARANENSE
Recitado no dia 5 de Dezembro de 1871
por
JOSÉ EDUARDO DA COSTA MOTA.

Chegaram, nobre classe, aí estão risonhos.
Os dias suspirados di teus sonhos!...
Os dias jubilosos, que vêm ledos,
Aos jovens escolares trazer folguedos.
Que entusiasmo aqui vai! que dia grande!
Exulta Guimarães de ver teus filhos
Ostentar tantas galas! tantos brilhos,
Descerraram-se alfim os horizontes!...
É tempo de limparmos nossas frontes,
Das bagas de suor de seus trabalhos!...
Que assim como à flor vêm os orvalhos,
Dar viços, que roubou o ardor da sesta.
Assim para nós vem esta festa,
Compensar do estudo agras fadigas…
Mas cessem de uma vez nojentas brigas!...
E longe de caprichos pertinazes…
Em laços cordiais, cantem-se pazes:
É justo que bem se amem de alma e vida…
Aqueles que se abraçam nesta lida.

Dizei ao traidor que se envergonhe!...
Não haja ninguém mais aí que sonhe
Revoltas entre nós que alguém fomente!...
Se tais nos alcunhar direi: – que mente!
Que os filhos de Minerva e não de Marte
Um só partido têm um só estandarte!
Em norte, um nobre fim! sua divisa.
É a ciência é o sol que diviniza!...
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Que teve feia mão do esquecimento
De amargas decepções de ressentimento!
Esfriem da vingança esses calores!...
As rixas que lá vão, sentidas dores…
Sepultem-se bem fundo: no abismo!
Que não venham toldar o brilhantismo,
Da festa, amados filhos da ciência,
Toda risos de amor, toda inocência!...
Um hino só por nós todos se cante!
Que vá vibrar nos seios que palpitam,
Brilham naqueles olhos que nos fitam,
Dizer a mais alguém que nos escuta…
Que logo que bem se ama não se luta
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Sim vós, mimos de amor, cândidas rosas!...
Só tu e ninguém mais connosco gozas,
De mais que singular prerrogativa!
Em troca desse olhar que nos cativa,
Desse fogo abrasador com que nos crestas
Dos brilhos, que aos festejos nos emprestas,
Dum sorrir de atracção tão magnético,
Desse olhar tão sublime e tão sintético!...
Que bela e sedutora tu resumes,
Estrofes mil de amor de mil perfumes…
Quebrareis amanhã, tanto por tanto
Mimosa recompensa doce encanto,
E em vez da “tal mezinha milagrosa…”
Colhereis lá da renda misteriosa
A maçã rubicunda mensageira.
Engenhosa e sublime alcoviteira...
Que faremos servir substituta.
Da moça mais discreta e mais astuta...
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Mas alto! Que esta glória a nós só cabe!...
A lei é bem notória e bem se sabe,
Que é posse privativa do estudante;
Se porém houver tal que se levante,
Contra leis tão sagradas tão vetustas!...
Sentirá quanto podem, mãos robustas.
Em casos melindrosos de capricho!...
Por entre canelões de criar bicho
Se tentar!... o nosso homem… fique certo!...
O Selho corre aí fica-nos perto,
Se alguém, que tão tapado não traduz,
Na diferença que vai da treva à luz,
A simbólica imagem da distância,
Que separa o saber da ignorância,
Quiser, de saliente e de pimpão,
Usurpar um lugar nesta função,
Incensos vir de amor queimar nesta ara
[lacuna]
Ter para si lição severa
Que não se calca assim a pé enxuto
O mais sagrado artigo do estatuto!...
Mas se algum tão feliz, como imprudente,
Lá se pode safar pela tangente,
Contrabando envolvido em turba multa
Quer saber o conceito que resulta,
De tal feito a glória que lhe fica?...
E de bota passar a ser futrica...
E disse. – Uma coisa só me falta:
– Notar a esse herói de grei tão alta,
Ao digno protector de botequins,
A bossa regateira de pasquins,
(É mister duma vez que se convença)
Não passa além das garras da indiferença
Seu Pégaso rasteiro e insolente!
É tosco! grosseiro! indecente!
E os fundos com que tanto se proeja...
Não deixam entre nós ficar inveja!...
É sim de lamentar que génios cultos
Esbanjem seu saber em vis insultos!
E quem por uns tais modos de tal sorte,
Busca a imortalidade encontra a morte.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Mas onde irão parar as curtas vistas
Desses parvos, (duma vez) desses fadistas?!...
- (ora limpem-se a este guardanapo)
São zelos a ferverem-lhe no papo…
De não terem quinhão no que outro gasta
Aí têm o seu pesar… Adeus… e Basta…
A. M. Ferreira.

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