Escritores vimaranenses (62): Frei Rafael de Jesus


FR. RAFAEL DE JESUS, Monge Beneditino, Procurador geral e D. Abade em vários mosteiros da sua congregação, e Cronista-mor do reino por alvará de 11 de Novembro de 1681. — Foi natural de Guimarães, e morreu no convento de S. Bento de Lisboa a 23 de Dezembro de 1693, contando 79 anos de idade e 64 de religioso.—E.
Sermões vários, pregados pelos annos de 1668 a 670, que assistiu á occupacão de procurador gerai da sua Ordem na cidade do Porto. Bruxellas, por Balthasar Vivien 1674. 4.° de XVIII-541 pág., afora as dos Índices finais. —  Contém vinte e quatro sermões.
Sermões vários, etc. Tomo II: pregados na cúria de Braga pelos annos de 1673 a 1675. Lisboa, na Offic. Craesbeckiana 1688. 4.º.
Sermões vários, etc. tomo III: pregados na cúria de Braga pelos annos de 1675 a 77, sendo procurador geral da sua congregação na mesma cúria. Lisboa, na Offic. Craesbeckiana 1689. 4.º de XII-426 pág. — São vinte e três sermões.
Castrioto Lusitano; Parte I. Enterpreza e restauração de Pernambuco, e das capitanias confinantes, vários e bellicosos successos entre portuguezes e belgas, acontecidos pelo discurso de 24 annos, e tirados de noticias, relações e memórias certas, offerecidos a João Fernandes Vieira, Castrioto Lusitano. Lisboa, por António Craesbeck de Mello 1679. Fol. com o retrato de João Fernandes Vieira.
A procura que para o Brasil tiveram os exemplares deste livro (apesar dos seus defeitos, de que logo falarei) os fez subir de preço; passando de 800 ou 960 réis, porque se vendiam em tempos antigos, a valer quantias triplicadas; e como se tornassem difíceis de achar no mercado, isto animou o livreiro J. P. Aillaud, estabelecido em Paris, a empreender por sua conta uma nova edição, cuja coordenação encarregou ao dr. Caetano Lopes de Moura. Saiu com o título seguinte:
Castrioto Lusitano, ou historia da guerra entre o Brasil e a Hollanda, durante os annos de 1624 a 1654, terminada pela gloriosa restauração de Pernambuco e das capitanias confinantes. Nova edição, dedicada a S! M. I. o senhor D. Pedro II, imperador do Brasil. Ornada com o retrato de João Fernandes Vieira, e duas estampas históricas. Paris, publicada por João Pedro Aillaud, Imp. da Viuva Dondey-Dupré 1844. 8.° gr. de XXXII-605 pág.
Conquanto no princípio da advertência ao leitor se diga que esta edição é cópia fiel da de 1679, todavia logo mais adiante, depois de enumerar os sabidos defeitos do autor e da obra, confessa o editor que aconselhado por pessoas entendidas resolveu expurgar o livro de suas imperfeições, no que respeita à fôrma, sem alterar em nada a matéria. “Eis-aqui (diz ele, ou antes o dr. Moura) como nos houvemos e simplificámos as digressões, a fim de fazer melhor sobressair o assunto principal. Suprimimos muitas reflexões e conceitos, que por sua frequência mais serviam de empecer o discurso, que de ilustrar a narração; resumimos alguns factos e alocuções, em que o autor mal exerceu sua retórica, e que não eram ponto histórico, pois diz — parece, foi fama que assim falara, etc. Fomos muito circunspectos em tudo o que diz respeito à credulidade daqueles tempos. Enfim, corrigimos o estilo, sempre que nos foi possível fazê-lo, sem destruir o cunho do seu autor. Assim que as alterações que nesta edição se notam, antes se devem chamar melhoramentos que mudança...” Tudo isto assim será: mas o facto é, que a obra reproduzida sob tal aspecto, e com tais liberdades, não pode já chamar-se o Castrioto Lusitano de fr. Rafael de Jesus, nem pode contentar aqueles que com razão ou sem ela, exigem na reimpressão de um autor conhecido a mais escrupulosa fidelidade, em ordem a conservar o seu escrito tal qual ele o deixara.
O resultado é, que os exemplares da nova edição, vendidos a 1:200 réis (preço mais que razoável, em vista da sua nitidez e mérito tipográfico) não fizeram baixar o preço dos da edição antiga, que continuam a ser procurados, e vendidos pelas quantias a que tinham ultimamente subido.
Monarchia Lusitana. Parte septima. Contém a vida d'el-rei D. Affonso IV, por excellencia o Bravo. Lisboa, na Impressão de António Craesbeeck de Mello 1683. Foi. (Vej. no Diccionario, tomo VI, o n.° III, 1846.) Farinha, no Summario da Bibl. Lusit., por uma das suas inexplicáveis confusões, dá como impressa em Lisboa em 1755 a Oitava parte da Monarchia Lusitana do mesmo autor, que não foi jamais estampada, segundo afirmam todos os nossos bibliógrafos. A Oitava parte, que unicamente existe impressa, é a de Fr. Manuel dos Santos, dada à luz em 1729.
Manuscrita existe de Fr. Rafael de Jesus a obra seguinte:
Vida d'el-rei D. João IV. — Em dois volumes de folio. Acha-se na Bibl. Nacional de Lisboa, onde tem a numeração B-2-1. (Vej. a este respeito o Archivo Pittoresco, no tomo IV, pág. 291 e 293.)
Barbosa atribui-lhe também uma Vida e morte do varão apostólico, o grande servo de Deus Fr.  António, das Chagas, fundador do Seminário do Varatojo, repartida em cinco livros; a qual, diz ele, “se estava imprimindo”. Haverá também nisto alguma equivocação?
No consenso universal dos entendidos, Fr. Rafael de Jesus gozou sempre de pouco crédito como escritor, no tocante ao seu estilo e linguagem. Dele diz o Marquês de Alegrete, que não devera atrever-se a continuar a Monarchia Lusitana por lhe faltarem todas as qualidades necessárias para o emprego de cronista-mor. O Castrioto Lusitano (no sentir de D. José Barbosa) “podendo sair um livro capaz de ler, de todo se malogrou, pelos termos impróprios de que usa o autor, além de uns parênteses impertinentíssimos com que perturba e descompõe a harmonia da narração. Com estas impropriedades, teve o mesmo autor a fortuna de ser nomeado cronista-mor, e nessa qualidade estampou a Septima parte da Monarchia Lusitana, em que a gravidade histórica se vê de tal modo desfigurada, que não tem período que não seja impróprio, nem palavra que esteja no seu devido lugar; partes de que necessariamente resulta um todo monstruoso”. — Enfim, o P. Francisco José Freire chega a afirmar, que Fr. Rafael morrera sem saber o como devera falar a sua língua um correcto escritor português!
Pode ser que haja neste julgamento dos críticos demasiada severidade para com o nosso monge beneditino. Pelo menos é certo que nos pecados de Fr. Rafael de Jesus incorrem hoje entre nós com maior gravidade, talvez, certos escritores, aos quais nem por isso faltam apaniguados, e sequazes que timbram de imitá-los! O colector do chamado Catálogo da Academia, em conformidade com as opiniões do seu tempo, transcurou o nome deste cronista-mor, não fazendo menção alguma de qualquer das suas obras impressas.
Dicionário Bibliográfico Português, de Inocêncio Francisco da Silva, continuado e ampliado por Pedro V. de Brito Aranha, Tomo VII, Imprensa Nacional, pp. 48-49

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