Varandim do edifício da Socieade Martins Sarmento. Desenho a lápis de Carlos André Fonseca, que se encontra no blogue arkivarte.blogspot.pt. |
Por estes dias, para mim carregados
de ensinamentos no que toca à compreensão da natureza humana, alguns amigos têm
estranhado o meu silêncio em relação a certos escritos de que tenho sido alvo e
que têm vindo a público nos jornais da terra, nomeadamente neste onde escrevo.* Não há mistério: tenho por princípio só falar daquilo que conheço e não posso
dizer que conheça aquilo que não leio. Porque, confesso, não li os textos de
que me falam. Julgo que ninguém me negará o direito de não ler aquilo que, pelo
estilo e pelo conteúdo, não me desperta o mínimo interesse.
O facto de não ter lido, não quer
dizer que necessite de dotes de adivinhação para saber o que lá vem escrito. Conheço
os autores de dois desses textos (há um terceiro componente deste trio
improvável que, até agora, apenas conhecia vagamente de nome) e sei quais são
as suas motivações, que não serão das mais nobres. O seu interesse pela
Sociedade Martins Sarmento, de tão súbito e diligente (trata-se de pessoas que,
em mais de três décadas, que é até onde a minha memória vai, nunca beneficiaram
aquela instituição com o contributo da sua sapiência), surpreendeu algumas
pessoas. Imagino, embora não esteja certo, que leram Maquiavel. Mas duvido que tenham
tirado proveito de tal leitura. Entreteceram os fios da teia da aranha, com o fito
de se lançarem sobre a presa, num momento em que a viam fragilizada e exânime.
Puseram em marcha uma estratégia cujo sucesso anteviam. Enganaram-se. Correu-lhes
mal. Os seus propósitos foram rejeitados pelos sócios da Sociedade Martins
Sarmento. Ponto final.
Posto isto, reafirmo o que sempre
disse: nunca tive a ambição de presidir à Sociedade Martins Sarmento e, se um
dia assumi essas funções, foi porque as circunstâncias me forçaram a aceitar
uma tarefa a que não aspirava, mas que sei que cumpri com a entrega e a
imaginação de que fui capaz, enquanto me duraram as energias. Se me mantive
nessas funções muito para além daquilo que pretendia foi, uma vez mais, forçado
pela circunstância de não se perfilarem alternativas.
Ao longo de quase um quarto de
século trabalhei na Sociedade Martins Sarmento, fazendo o que sabia e o que
podia para ajudar a mais emblemática das instituições culturais da nossa cidade
a manter o rumo que os seus fundadores lhe traçaram. Ao longo este tempo,
aprendi a seguir o exemplo dos vimaranenses que se dão a causas sem sombra de
cálculo pessoal, sem esperarem nada em troca.
Pela parte que me toca, vai
findando um ciclo. Que acaba sem sombra de mágoa, nem de amargura. Tenho
consciência do trabalho que foi feito e do que ficou por fazer. Quando, há mais
de duas décadas, fui convidado por Santos Simões para integrar a direcção da Sociedade, foi-me traçado um programa, que dava resposta a uma preocupação que tinha
manifestado quando ainda era estudante. Santos Simões guardava na memória algo
que eu tinha escrito em 1982 (que Francisco Martins Sarmento continuava a ser pouco
conhecido porque, das suas obras, grande parte continuava aguardar publicação).
Posso dizer que, depois da edição dos textos de etnografia e de arqueologia que
compõem os dois volumes da “Antiqua”, com a recente publicação desse
extraordinário documento onde Martins Sarmento inscreveu os apontamentos dos seus
ensaios fotográficos, está cumprida a tarefa de que fui incumbido.
Assegurar a subsistência de uma
instituição com o peso e o património da Sociedade Martins Sarmento nunca foi
tarefa fácil e torna-se particularmente difícil e desgastante em momentos de
crise, como aquele que o nosso país agora atravessa. As dificuldades fazem parte, desde sempre, do quotidiano daquela casa de
cultura, que nunca viveu numa situação de sustentabilidade certa e assegurada.
A longa história da Sociedade Martins Sarmento é também uma história de superação
de obstáculos, em que participaram, com dedicação, generosidade, criatividade e
sabedoria, sucessivas gerações de homens bons de Guimarães.
Há 132 anos que é assim.
Assim continua a ser.
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* Este texto foi originalmente publicado no jornal O Povo de Guimarães de 5 de Abril de 2013.
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