Pregões a S.Nicolau (18): 1848

S. Nicolau

O pregão do ano de 1848 foi escrito por José Nepomuceno da Silva Ribeiro, que já escrevera o de 1846. O pregoeiro foi o mesmo de 1847, Gaspar António Cardoso da Costa. Foi impresso na Tipografia Bracarense.
O bando cumpre a sua função de anunciar o regresso da pomposa festa, num dia em que tem o estudante a soberania, com os costumados encómios à Guimarães Augusta, afirmação de que galanteios às damas todas belas, alfinetadas ao ginja, taful, Casquilho ou vil Caixeiro.


Bando escolástico - 1848

PREGÃO PARA A FESTIVIDADE DE S. NICOLAU
Em a vila de Guimarães

Guimarães, Guimarães, que mais te resta,
Se já volvendo vem pomposa festa,
Festa em que todos ficam satisfeitos,
Ouvindo só narrar Mavórcios feitos,
Valor, que o mundo espanta, a Europa assusta?!!!
Oh, tange, tange, Guimarães augusta,
Teu pletro de ouro em êxtase de glória,
Que o dia de prazer, e de vitória
Vem hoje tudo ovante recordar-te!!
Sim, Nobre Guimarães, por toda a parte
Eu ouço anunciando o ferro o bronze
O dia sexto sobre meses onze,
Dia em que o prazer mil peitos assoma,
Qual outrora não viu Cartago, ou Roma,
Quando mesmo o grão César à do sólio
Entre ferros mandava ao Capitólio
Nações trazer vencidas tantas vezes!!
Vós Nunes, Albuquerques, vós Menezes
Da pátria nossa lúcido ornamento,
Que vitória cantastes vezes cento,
Levantai lá do jaspe a testa fria,
Correi a Guimarães, e neste dia
Vereis tomar os filhos de Minerva
No festejo seu, parte sem reserva,
E as Damas todas belas, adornadas
Sobre brocados de ouro debruçadas
Com a mão nevada liberais mostrando
Ao Campeão de amor de quando em quando
Esse, que mundos vence grato peito,
Como se de amor fora o próprio leito!!
Vereis vestir as togas roçagantes
Os de Guimarães Nobres habitantes,
E entre júbilo, e pompa, e graça, e riso
Guimarães transformar-se em Paraíso,
Cingindo áureo Diadema, e pendurando
Ao peito teu o timbre venerando,
Que lhe deu dos Afonsos o primeiro!
Vereis mais como ao mísero Caixeiro
Já de raiva raivoso dente range,
Vendo duro pavês, nítido alfange
Cavado do estudante ao férreo pulso,
E ao de nobres peitos nobre impulso
Defender sempre, e sempre, como outrora
Do Céu sacro condão, que o tempo adora!,
Vereis filhos de heróis heróis famosos
Ruas percorrer mais que valorosos,
Inimigo, ou Judeu, Francês, ou Mouro
Correr a bofetão, murro, ou pelouro!
“E julgareis qual é mais excelente
“Se ser do mundo Rei, se de tal gente, (a)
(a) Cam. Lus. cant. I est. 10.ª
Quem rema amanhã somos nós, vós pois,
Que da Deusa imortal filhos não sois,
Respeitai do estudante a soberania,
Sabei que é nossa a Dama, é nosso o dia,
E, enquanto o mundo for mundo, o há-de ser;
E se algum temerário pretender
Leis violar de Nicolau Potente,
Antes que um murro as bentas lhe arrebente,
Ao tanque do Toural ira primeiro.
Ginja, Taful, Casquilho, ou vil Caixeiro
Vai para casa vai, não sejas tolo,
As castanhas comer, comer com bolo,
Ou antes com a Josefa, ou com a Francisca
Vai na venda jogar rançosa bisca.

E tu ò Dama, de quem beleza tanta
Milhões de almas surpreende, o mundo encanta,
Tu sim, tu, apesar de nossa sorte
Tolheres, dando pois com o pomo a morte
No mundo forte a bárbara homicida,
Oh a amanhã terás com o pomo a vida,
E esta alma, que de amor fogo arrebata,
Recebe sim ò Deusa, mas sê grata,
Nem tanto custa, a paga um doce beijo,
Qual água fria o fogo, audaz desejo
Oh ventura! oh prazer! oh alegria!!,
Eia pois, sócios meus, neste dia,
Mostrai em tudo ser mais que excelentes.
E vós de Afonso nobres descendentes,
Vendo o valor do impávido estudante,
Ao som cantai da lira altissonante

“Cesse tudo o que a musa antiga canta,
“Que outro valor mais alto se alevanta. (a)
(a) Cam. Lus. cant. I est. 10.ª
E para mostrar maior contentamento
Venham sábios Cibrões dez vezes cento
O Céu toldar de nuvens, de foguetes,
Polcas mil, cavatinas, minuetes
Músicos não cessando noite, e dia
Tocando estejam por turno, e à porfia
Em torno de escolástico troféu,
E arrastando vão tal qual outro Orfeu
Após si casas, ruas, e terreiros,
Crebras bombas, canhões, férreos morteiros.
Sinos, tambores mil, bombos sem conto
Terras atroem, túmido Helesponto,
E saiba Portugal, a Europa, o Mundo,
Que o dia de amanhã não tem segundo.
J. N. S. R.


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