Milagre de S. Nicolau, que salva três moças de serem prostituídas (Lüberck, Annenmuseum) |
Em 1829 vivia-se em pleno período da usurpação miguelista. E, nesse ano, o pregão a S. Nicolau faz, de novo, a apologia do rei absoluto, associando-o aos poucos aliados que tinha na Europa (Fernando VII, rei absoluto de Espanha, que era, por ser irmão de D. Carlota Joaquina, tio de D. Miguel, e Pio VIII, que foi papa entre Março de 1829 e o final de 1830): Triunfa a religião, pendões arvora, / Com ela o grão Miguel seu trono escora. / Pio e Fernando já dos reis mais justo / Saúdam com prazer o nome augusto. E o próprio S. Nicolau foi feito um dos protectores do miguelismo e inimigo daqueles que o combatiam: Graças a Nicolau! Ele fez tudo, / (…) Fez unânime a voz dos Três Estados, / Fez sumir os infames revoltados. / À face de Miguel tudo descansa.
No mais, é
como já ia sendo costume: o ataque aos caixeirinhos (se não tomas juízo, ò meu
brutesco, / no célebre Toural tens banho fresco), aos ginjas (o ginja que
ralhar leva sopapo). A distribuição da renda pelas mulheres era feita com
critério: às Vénus formosas, Maçã que
tenta Evas cobiçosas; às trigueiras engraçadas, serão de louras nozes as manadas; àquela que é feia ou velha, não lhe toca por lei maçã vermelha; / mas
para não desgostar terá da renda / as feiradas castanhas para merenda.
Do pregão de
1829, composto em 73 versos, não se conhecem o autor nem o recitador.
Bando
escolástico – 1829
Exultemos,
ditosos lusitanos
Lísia é um
paraíso entre os humanos.
Da horrenda
escravidão onde caímos
Já ao cume
da glória ressurgimos;
Triunfa a
religião, pendões arvora,
Com ela o
grão Miguel seu trono escora.
Pio e Fernando
já dos reis mais justo
Saúdam com
prazer o nome augusto.
Graças a
Nicolau! Ele fez tudo,
Qual protege
das ciências o estudo.
O sentido
inspirou da lusa lei
Para a
pátria saber qual o seu rei.
Fez unânime
a voz dos Três Estados,
Fez sumir os
infames revoltados.
À face de
Miguel tudo descansa,
Astreia de
sua mão fia a balança.
As artes, o
comércio, agricultura,
Fazem da
pátria universal ventura.
E se a ti, ò
Nicolau, tanto devemos
A quem senão
a ti festejaremos?
Mas só quem
corre o giro literário
Aqui poderá
ser funcionário.
Como
politicavas, caixeirinho,
Outrora, e
de tal cor o teu colarinho,
Quererás
também aqui dar colherada
Por dizer:
três vezes seis dezoito nada?
Se não tomas
juízo, ò meu brutesco,
No célebre
Toural tens banho fresco.
Vós, que acendeis
de amor as ternas chamas,
Não penseis
esquecer lindas madamas.
Tudo de
prevenção esteja guardado
Para o traje
mais florido e asseado.
Florões
caiam, toucados e polvilhos,
Que importa
que ferros e espartilhos.
Vos magoem
as carnes tão mimosas,
Se com isto
julgais que sois formosas?
Não orneis
de damascos as janelas,
Convosco as
ornai, gentis donzelas;
Pois
convosco é que tudo é brilhante,
E que seria
sem vós dum terno amante?
Tudo seja de
amor tudo guapo,
O ginja que
ralhar leva sopapo.
Manhã ou de
ginete esporeando,
Ou com
gostos mil a pé calcando,
Correndo o
sol já meio espaço,
Lá te vamos
visitar rendeiro escaco.
E se tudo
não for cheio e asseado
Tens logo de
chorar teu triste fado.
Em correndo
a vila e arredores
Cada um
brindará os seus amores.
De um Paris
colherão Vénus formosas
Maçã que
tenta Evas cobiçosas.
Serão de
louras nozes as manadas,
Para as
trigueiras que sejam engraçadas.
Se alguma a
seu pesar é feia ou velha,
Não lhe toca
por lei maçã vermelha;
Mas para não
desgostar terá da renda
As feiradas
castanhas para merenda.
Porfie cada
qual ser a primeira,
A mais
terna, briosa e faladeira.
Vós, que ao
domingo andais entertelhados,
Ouvi do
nosso jus estes mandados:
Máscara,
exibição, festiva dança,
Que ao
coração das Ninfas prisões lança,
É cacho que
ninguém mais depenica.
Olhai que os
repicados colarinhos
Não livram
de varrer a terra com os focinhos.
Enfim,
respeito e amor tudo tempera,
Mais vale
bem fiz eu que se eu soubera.
Rufando
anunciem os tambores
O sacro
Nicolau e seus louvores;
E na da fama
altissonante tuba
O modelo dos
reis aos astros suba.
FIM
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