Pregões a S. Nicolau (5): 1827

Milagre de S. Nicolau


De festas de estudantes em Dezembro de 1823 e 1824 nada sabemos, até agora. João Evangelista de Morais Sarmento era já morto e não há notícia de que tenham sido escritos pregões para aqueles anos.

De 1825 não conhecemos o pregão, mas sabemos que foi recitado. Segundo o diário do cónego Pereira Lopes, no dia 5 de Dezembro foram “presos alguns estudantes por andarem com as caras pintadas. No dia seguinte pegaram em armas alguns milicianos para prenderem todo aquele que andasse mascarado. Os estudantes que andaram com as caras pintadas foi por haver tolerância do Corregedor a que o Juiz de Fora se opôs, mandando-os prender. Estas ordens indispuseram a maior parte dos habitantes contra os motores de tais medidas. No dia seguinte apareceram imensos pasquins [panfletos anónimos].”

João de Meira acrescenta que, já no dia 18 de Dezembro, foram detidas duas pessoas: “o dr. Agostinho Vicente Ferreira do Castro e Freitas, autor do Pregão, e um tal Palhão que o recitou”.

Nada nos consta das festas a S. Nicolau do ano de 1826.

Conhecemos o pregão de 1827, ignorando-se, porém, o nome do seu autor. Foi lido por Sarmento Júnior. Tem 84 versos escritos num estilo diferente dos de João Evangelista, embora seguindo, no essencial, o mesmo modelo. As referências ao rendeiro de Urgezes são violentas, como já era costume (Tu bem o sabes já, gordo rendeiro, / não queiras ser este ano marralheiro. / Respeita a propriedade, que é sagrada, / e não dês do pior, que é velhacada). O conteúdo da renda a receber está claramente descrito neste pregão: As maçãs, de ouro não, mas tão perfeitas, / Tão dignas de ser dadas, ser aceitas; As castanhas que sejam bem assadas, / Bem secas, limpas e lauritostadas; As nozes chamar-te-ão pragas mordazes / Se pedras as acharem os rapazes; E os tremoços se melados forem / Serão para te emplastrarem e comporem; Reduzida que seja a palha a bom dinheiro / Fica a palha para ti no teu celeiro.
Os avisos aos intrusos também lá constam, ameaçadores, não faltando a referência aos banhos forçados: Não há hostilidades sanguinárias, / Mas temos para o curar receitas várias; / Sopapos, canelões, poleadelas, / E um banho ainda mais fresco que em Caldelas. / Não é de presumir queiram prová-las, / Porque se a isso chegar hão-de mamá-las.
E lá estão as referências às damas de Guimarães. Elas são as meninas dos olhos dos estudantes, não lhes importando nem a idade, nem a condição: As mães, as filhas, amas e criadas, / Para as janelas corram apressadas. / Até as mesmas cozinheiras de alcateia.

Bando escolástico – 1827

Que dias! sócios meus! Vimaranenses!
Ò pátria! Ò Lusos! que brilhantes dias,
O sol de Lísia em novo signo entrando
Novos astros reúne, e a luz redoura;
Como cintilam! e que longas séries
Nos não deixam prever de bens, de glória!
Que novo lustre! que porvir! que alento
Ao comércio fiel, à indústria, às artes,
Sua força vai dar seu claro influxo!
Que certa esperança de Minerva aos filhos,
Que por árduos caminhos procurando
O bem da pátria, o seu bem, seu prémio,
Já não receiam escureça o mérito.
Juventude briosa, eis nosso estímulo!
Nossos foros, liberdades justas,
Jamais nos roubará mão arbitrária.
De Jove a dúplice, cerebrina prole,
Minerva, Astreia, que nem sempre juntas
Se tem mostrado no moral concurso,
Desde hoje se verão para sempre unidas.
E não são estes de Saturno os dias?
Não volve a Portugal a idade de ouro?
Oh! profícua estação a todos grata!
Duradoura estação, mas para nós outros
Que dia vai raiar entre estes dias!
Lá quando no horizonte as róseas portas
De novo a Aurora abrir, mostrar ao mundo
O dia fausto do pastor de Nísia,
No dia de amanhã nossa alegria,
Um doce entusiasmo e nobre brio,
Mostrará que sabemos por prudentes
Unir com sábias leis antigos usos.
“Tu bem o sabes já, gordo rendeiro,
“Não queiras ser este ano marralheiro.
“Respeita a propriedade, que é sagrada,
“E não dês do pior, que é velhacada.
“As maçãs, de ouro não, mas tão perfeitas,
“Tão dignas de ser dadas, ser aceitas.
Que entre as belas toucadas não irritem,
Mas a fagueiros risos as excitem
As castanhas que sejam bem assadas,
Bem secas, limpas e lauritostadas.
Pois somente por termo-las perdidas
E que Títiro usava das cozidas.
As nozes chamar-te-ão pragas mordazes
Se pedras as acharem os rapazes.
E os tremoços se melados forem
Serão para te emplastrarem e comporem.
Reduzida que seja a palha a bom dinheiro
Fica a palha para ti no teu celeiro.
Porque gazela, que o estudante monta,
Não come nesse dia, é como tonta.
Eis teu regíme, pois para ti ò povo
Vou formar também um que não é novo.
Não é das artes inimiga a ciência,
Mas dar-lhe igual valor, isso é demência.
O sábio, o jovem, que do sábio aprende,
Se as não pratica, suas leis entende.
Bem pôde ser exímio o mestre de arte,
Mas fica-lhe inferior já nesta parte.
Tem nossa estima sim, mas não razão
Se ingerir-se quiser nesta função;
Ela é só nossa e por direito antigo
Nos cumpre então tratá-lo de inimigo.
Não há hostilidades sanguinárias,
Mas temos para o curar receitas várias;
Sopapos, canelões, poleadelas,
E um banho ainda mais fresco que em Caldelas.
Não é de presumir queiram prová-las,
Porque se a isso chegar hão-de mamá-las;
Pois não queremos que a posteridade
Forme iguais pretensões na impunidade.
O mais tudo há-de ser bom, tudo pomposo,
Que dia para nós tão venturoso!
Depois que à rua sair o estudante
Não haja de repouso um só instante.
Ao som de sua voz, se são loquazes,
Ou ao som de algazarra dos rapazes.
As mães, as filhas, amas e criadas,
Para as janelas corram apressadas.
Até as mesmas cozinheiras de alcateia
Deixem aos gatos a partida ceia.
Seja enfim geral tanta alegria,
Porque assim o pede o tempo, assim o dia.
FIM


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