Milagre de S. Nicolau |
Dos anos de 1820 e 1821 não temos notícia de
pregão. Aqueles eram tempos de grande agitação política. Nada sabemos acerca
das festas a S. Nicolau no ano de 1820, escassos meses depois da vitória da
revolução liberal. Nesse ano, o juiz de fora de Guimarães proibiu os estudantes
de saírem mascarados na sua festa. A requerimento de 140 estudantes, esta
proibição seria anulada pelo Corregedor, no dia 3 de Dezembro. Nada mais
sabemos das festas daquele ano.
No ano seguinte, seria o Intendente-Geral de
Polícia a proibir as máscaras em dia de S. Nicolau, o que foi desrespeitado por
um grupo de académicos vimaranenses, que, no dia 6, cumpriram a tradição e
saíram à rua mascarados. Na sequência duma petição dos estudantes, a proibição
policial seria anulada no dia 12 de Dezembro. Demasiado tarde para que o
programa das festas se realizasse conforme o costume, mas a tempo para as
manifestações de júbilo dos estudantes: no dia 18 içaram a sua bandeira no Toural,
estralejaram foguetes, repicaram os sinos, disseram-se versos e as ruas foram
percorridas por uma encamisada. O
pregão deste ano voltou a ser escrito por João Evangelista de Morais Sarmento. Seria
o último da sua autoria, uma vez que viria a falecer no ano seguinte.
O pregão de 1822 tem 86 versos e é um cântico
à liberdade conquistada (de Nicolau cantemos altos feitos / libertou Portugal do Despotismo) e às belas (sois vós, ó Sexo amável, vós ó Belas / do mundo social ricas estrelas).
Pregão para 1822.
Tudo em
torno de Nós, tudo é ventura.
Surgimos da
mais torpe sepultura.
A campa de
tremenda opacidade,
Que abafava
a Razão, a Liberdade
Estalou por
cem partes: nós já somos
Nação de Heróis,
como outrora fomos.
E a quem
senão a ti, Nicolau Santo,
A quem senão
a ti se deve tanto?
Tu nos despiste
dos grilhões os pulsos;
Tu deste ao
coração nobres impulsos.
Dos Sábios
Protector Sábios armaste;
Com eles a
Vitória coroaste.
Leis nascidas
no Céu mandaste à Terra:
O Mundo
agora um Paraíso encerra.
É Portugal,…
oh Reino venturoso,
Como te
ergues ufano e glorioso!
Todos a
Nicolau devem dar graças,
Porque ele aniquilou
gerais desgraças.
Mas tu, ó bela,
Ilustre Juventude,
Que a Sapiência
cultivas, e a Virtude,
Tu que já da
mais alta antiguidade
Usas
especial festividade
Para, honrar
Nicolau, qual neste dia
Não se deve
ostentar tua alegria?
Onde acharás
magnífico festejo
Igual ao teu
vivíssimo desejo
Aqui, ali exalçarás vistosos
De Emblemas
cheios arcos majestosos!
Carroças de
triunfo adamascadas
De instrumentos
sonoros carregadas
Pelas ruas
com pompa irão rolando
Os olhos, os
ouvidos encantando!
Engenhosos
foguetes crepitantes!
Pintadas
luminárias cintilantes!
Ah! Tudo é
pouco: a Gratidão no peito
Regozijo
demanda mais perfeito.
Uma ideia só
há que satisfaça;
Só ela fecha
em si grandeza, e graça.
Sois vós, ó
Sexo amável, vós ó Belas,
Do mundo
social ricas estrelas,
Sois vós, que
de mãos dadas c’o Estudante
A Função
mais completa, mais brilhante,
Qual nunca
se tem visto, fazeis hoje.
Vinde ligeiras porque o tempo
foge:
Deixai os
vossos fastiosos lares,
Vinde livres folgar em livres ares.
Eis de mirto
já prontas cem capelas,
Festões das
flores mais gentis, mais belas.
Adornadas
assim, assim floridas,
Quais as
Ninfas de Vénus mais queridas,
Que dança
festival não travaremos?
C’os pés,
co’as níveas mãos eia, exultemos:
Caia um pouco,
no ombro o airoso rosto,
Ressumbrando
na cor ternura, e gosto,
C’os ventos
fogem os cabelos de oiro
Por entre as
rosas, e o viçoso louro.
A furto às
vezes no travado enleio
O seio dele
toque dela o seio.
Palpite o coração, core-se a face,
Ou desmaio
subtil a cor embace
Agora sim:
mil vivas revoando
Com pleno
gosto os pelos vão tocando:
Nosso desejo
agora é satisfeito:
Isto sim é
prazer, prazer perfeito.
É função sem
igual, função de arromba,
Aqui reviras
tu, Inveja, a tromba.
Aqui, oh
Caixeirinho, que pensavas,
Que hoje do
mel de Amor favas chupavas,
Qual na
força da calma um figo peco,
Morres mil
vezes por lamber em seco.
Coitado!
porém queixa-te da sorte:
Sempre o fraco
cedeu ao que é mais forte.
Oh! como
Dulcineia bem se enlaça!
Em Amarilis
que donaire e graça!
Ferva a dança outra vez: os altos feitos
De Nicolau cantemos satisfeitos
Libertou
Portugal do Despotismo.
Sumiu rançosas,
leis no horror do abismo.
Eia, Turba
escolástica, em memória
Façamos
Guimarães nadar em glória.
Mas não turve
este gosto audaz pedante,
Que, se o
fez, feito em pó é num instante.
Temos lei:
ignorância não se alegue:
Para que
esta notícia a todos chegue,
É que à voz
do tambor, que vai troando,
Vou eu ao ar
este Pregão lançando.
Poesias de João Evangelista de Morais Sarmento,
Coligidas por vários Amigos seus, revistas pelo A. Poucos tempos antes de sua
morte, e dadas à luz por alguns de seus admiradores, Porto, 1847, pp. 156-159
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