Imagem de S. Nicolau. Atente-se no pormenor das maçãs. Será apenas coincidência com a tradição escolástica de Guimarães? |
O pregão de 1818, também composto por
João Evangelista Morais Sarmento, é
expressamente centrado em S. Nicolau, o patrono da "tenra juventude
desditosa" que "definha e morre no salão da Escola". Os
primeiros 33 versos do pregão (num total
de 85) são dedicados às agruras dos estudantes de latim, que contrastam com a
alegria que vem de Nicolau, que aos estudantes "dá férias". Além dos
mimos dirigidos às belas, o "Sexo
amável", o texto reafirma o interdito aos não estudantes se intrometerem na
festa que era exclusivo dos estudantes (os que desobedecessem, seriam sujeitos à
pena de "confisco
logo da cabeça oca / para dela em Valongo fazer troca"). E terminava com uma alfinetada ao
rendeiro de Urgezes, de quem recebiam a renda estipulada pela tradição e que era objecto de conflitos recorrentes:
Viva e reviva o lépido
Estudante...
O Rendeiro que estoure, que é
tratante.
Pregão para
a Festa de S. Nicolau, que fazem os Estudantes de Guimarães, para o
ano de 1818.
Vem, Grande
Nicolau, vem do teu trono
Mostrar que
só tu sabes ser patrono.
A tenra
juventude desditosa
À sombra da
Cadeira carunchosa,
Qual sombra
a quem o sol jamais consola
Definha e
morre no salão da Escola.
No mar Tirreno,
ou no vulcão de Tróia
Já a cabeça
perdida não vê bóia.
Martelo aos
golpes na tenaz bigorna
Verbo, e Caso
no ouvido estala, e torna.
Esgota o
sangue, a paciência, o tino
Tanto género
neutro, e feminino.
Lá vem Sanches,
Verney, lá vem Prisónio
Para o nó
desatar de Suetónio.
Mais alto lá
do Rostro papagueia
Apóstrofe!...
imortal Prosopopeia.
Barbilongo o
Senhor Quintiliano
Com flores
para a frase em todo o ano.
Mal haja a
sua mágica loquela!
(Bem retóricas
dão os pais sem ela)
E qual não
trava ali tenaz guerrilha
Da Razão a
chamada melhor Filha!
Lá vai murro
no pobre Silogismo
Por um termo
de mais.... Surge do abismo
Co’ as
cangalhas nas ventas Peripato:
“Que vai cá
nestas eras! que é do pacto,
“Que fiz com
Autems, Ergos, onde existe?
“O moderno
Pensar em que consiste?
Eis num
valente Objicitur esbarra,
E no abismo
outra vez de chofre marra.
Ai de nós
tristes! que fatal açoite!
Pesa arrobas
de chumbo cada noite.
Pesa mais do
que o Mundo cada dia.
Só de Ti,
Nicolau, vem alegria.
Só Tu ao
coração prestas alento.
Há um ano
sem ti, murcho, sedento,
Coitado!...
já se expande, já resfolga,
Já vive,...
Oh Sócios meus, à folga, à folga.
Dá férias
Nicolau: em honra sua
Nossos
festejos veja o Sol, e a Lua.
Guimarães
toda alastre-se de flores,
Mãos de neve
às baquetas dos tambores,
Bucéfalos
gentis espumem, rinchem,
E jaez pouco
airoso fora pinchem.
Mil farsas,
mil visagens apareçam,
As Belas
mais que nunca refloreçam.
Desta vez
Fanatismo cais por terra.
Hipocrisia,
vai ferir-te a Guerra.
Hoje Arconte não há insulso e peco,
Que tolha das facécias o embeleco.
Podem as
Ninfas, de apurado gosto
Mostrar a
bel-prazer seu lindo rosto.
Tomar um
ramo, fomentá-lo ao peito,
Como vindo de
Adónis tão perfeito:
Ou aquele aceitar insigne pomo,
Que a Tantos escrever fez mais que um tomo.
Que glória ter aos pés um Estudante.
Finezas de morrer rendendo amante!
“Eis aqui, minha Bela, o teu escravo
“Faz-me sorver de amor o doce favo.
Que glória
não é a tua, oh Sexo amável,
Em ouvir
confissão tão respeitável!
Um Estudante é a flor da Sociedade,
Tem graça,
tem primor, tem gravidade.
Tudo o de
que elas tem maior desejo,
Nem de armas
lhes falece o bom manejo.
Estudante!...
sobretudo neste dia!
Jóia alguém mostrará de mais valia!
Alguém de
tão boçais, longas orelhas
Com ele
tentará correr parelhas?...
Ora aí vai a Lei!... tomai sentido:
Bem alto falo para ser ouvido.
Função de Nicolau é Função nossa.
Só ela é que os trabalhos nos adoça.
A ninguém mais se outorga cabimento.
Se alguém contravier ao mandamento,
Confisco logo da cabeça oca
Para dela em Valongo fazer troca.
Pernas, e braços para os cães do açougue,
Quadra esta pena, como ao gafo azougue.
A Vós da Ronda valoroso Bando;
Escolta de valor, e bom comando,
A Vós, a quem nenhuma força vence,
Deste
Decreto o = Cumpra-se
= pertence.
Viva, e
reviva o lépido Estudante...
O Rendeiro que estoure, que é tratante.
Poesias de João Evangelista de
Morais Sarmento, Coligidas por vários Amigos seus, revistas pelo A. Poucos
tempos antes de sua morte, e dadas à luz por alguns de seus admiradores, Porto, 1847, pp.
149-152
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