Crianças de Gondomar, Guimarães (fotografia de Mário Cardoso, década de 1930) |
No século XVII, o escritor irlandês Richard
Steele descreveu a mulher como uma filha, uma irmã, uma esposa e uma mãe, um mero apêndice da raça
humana. Desde o dia em que nasciam, as raparigas iriam ter, para a vida, a
figura masculina como referência de enquadramento social: primeiro o pai, depois
o marido. A condição de inferioridade da mulher, que resultava numa menoridade
perpétua, estava presente nas práticas sociais que preenchiam o quotidiano dos
nossos antepassados e que, apesar de tudo, em larga medida já foram superadas
na sociedade contemporânea.
No dia em que se celebra a
mulher e a conquista dos seus direitos, aqui fica um texto publicado no jornal Religião e Pátria, de Guimarães, em 1890,
onde são descritos velhos costumes nacionais
de onde sobressai a condição de inferioridade e de dependência imposta à mulher
ao longo dos séculos.
Antigos foros e costumes de Portugal
(Costumes)
Nenhuma mulher que
recebesse preço de “más manhas”, podia fazer coisa que fosse válida “sem
mandado de seu marido”.
Nenhuma mulher podia
queixar-se de ter sido violentada dentro da vila, salvo se a metessem em lugar
onde não pudesse gritar e nesse caso apenas saísse daí devia vir chorando e
bradando pelas ruas, e ir logo ter com a justiça e dizer: “Vedes o que me fez
fulano?”
Se o caso era fora da
vila, devia vir todo o caminho chorando e gritando, e dizendo a todos os que
encontrasse, quer fossem homens, quer mulheres:
“Vedes o que me fez
fulano?” — e ir do mesmo modo queixar-se à justiça.
Quando qualquer mulher
casada era condenada a levar açoites ou varadas, por ter brigado com outra,
vinha o alvazil com ela a casa;
punha um travesseiro no meio do chão, e começava a dar arrochadas em cima dele:
o marido estava defronte com a mulher, e com outra vara ia repetindo nas costas
dela a mesma solfa, estando à vista a justiça o a justiça e a queixosa. Se o
marido não dava as varadas na mulher com a mesma ânsia com que o alvazil batia
no travesseiro, dava-lhas a justiça nele. Entre outras significações que
antigamente tinha a palavra “homicídio” ou “homízio”, era a de rixa que ficava
entre o assassino de qualquer homem e a família deste que por costume de muitas
terras, e talvez geral, tinha direito
de matar o matador, vendo-se este, portanto, obrigado a andar fugido ou
escondido.
Disto nos veio, segundo
parece, a frase vulgar “de andar homiziado”. Quando a família do morto se
compunha com o matador ou lhe perdoava chamava-se a isso “frir homízio”, isto é,
“acabar a rixa com o homiziado”.
Pelos costumes de Santarém,
a cerimónia que neste caso se usava, era a seguinte: o criminoso punha-se de
joelhos, e metia o seu “cuitelo” na mão do queixoso: então o outro lhe pegava
na mão, erguia-o, e beijava-o, ficando dali avante amigos. Isto se fazia
perante “homens bons”.
Quando os alvazis
condenavam um homem à morte, o alcaide servia de algoz.
Os filhos bastardos de
“peão”, isto é, de homem não nobre,
podiam ser reconhecidos e nesse caso tinham na herança parte igual à dos filhos
legítimos.
Se o saião (beleguim) ia
fazer alguma penhora à casa de cavaleiro, e lá o moíam com pancadas, mandava o
costume da terra que ficasse com elas, “sem coima»”.
Se alguém dizia “paravoas
devedadas” (palavras proibidas) a alguma mulher honrada, era obrigado a
jurar-lhe diante de dez “mulheres boas” ou doze “homens bons”, que nunca viu
aquilo que dela dissera, que mentira, e que soltara aquelas palavras com a sua
paixão.
O clérigo gozava foro de cavaleiro: se o achavam em relações
com qualquer mulher, esta poderia ser presa e castigado, mas nele nem pôr-lhe a
mão.
Religião e Pátria,
Guimarães, 25 de Maio de 1890
0 Comentários