JOÃO EVANGELISTA DE MORAIS SARMENTO,
natural da cidade do Porto, e filho de Francisco José de Gouveia de Morais
Sarmento, Oficial da Tesouraria geral das tropas, nasceu a 26 de Dezembro de
1773. Tendo ficado órfão de pai na idade de 14 anos, e entregue aos cuidados de
sua mãe viúva, completou no Porto os estudos de humanidades, e já cultivava com
fruto a eloquência e poesia, quando passou aos 18 anos a matricular-se na
-Universidade de Coimbra, seguindo por necessidade, e não por inclinação
(segundo se afirma) o curso de Medicina, no qual se formou em 1801.
Estabeleceu-se depois na sua pátria, onde adquiriu fama e créditos de bom
médico, e ainda mais de distinto poeta, brilhando não menos nas composições
feitas de espaço, que nas de improviso. Tinha também particular inclinação para
a oratória sagrada, e afirma-se que compusera muitos sermões, que foram por
alguns pregadores recitados como próprios! tanto nos púlpitos do Porto, como
nos de Guimarães. A actividade do seu espírito não correspondia às suas forças físicas;
dotado de nímia sensibilidade nervosa, padecia todos os incómodos a que de
ordinário estão sujeitos os indivíduos desta compleição. No ano de 1823 sofreu
um primeiro ataque de paralisia que debelado em parte pelos socorros da
medicina; o deixou contudo sem vigor, trémulo, e quase impossibilitado de sair
de casa. Pouco depois outro novo insulto da mesma enfermidade o prostrou de todo,
inabilitando-o afinal de ter-se de pé; finalmente, uma pleurisia seguida de hidrotórax
agudo, o levaram à sepultura em 20 de Outubro de 1826. Morreu sem deixar
sucessão, posto que tivesse sido duas vezes casado. As suas composições
poéticas, das quais mui poucas haviam sido avulsamente impressas em sua vida,
foram, passados mais de vinte annos, dadas à luz em colecção com o título
seguinte:
Poesias de João
Evangelista de Moraes Sarmento, colligidas por vários amigos seus, revistas
pelo auctor poucos tempos antes da sua morte, e dadas á luz por alguns de seus
admiradores. Porto,
Typ. Commercial 1847. 8.º gr. de XVIII-247-81 pág.
Este volume contém
no princípio a biografia do poeta, de que extraí para aqui a notícia supra, e
seguem-se 47 sonetos, uma quadra glosada, uma cantata, 11 odes, 7 elegias, e
outras composições diversas; vêm depois várias colcheias e motes glosados: um Panegyrico
de S. Jeronymo em prosa; e finalmente a tradução em verso do Rhadamisto,
tragédia de Crébillon (da qual temos em português outra versão por José António
de Araújo Veloso, como em seu lugar se dirá).
Entre os sonetos um,
que se acha a pág. 3, e começa: “Por Márcia o deus de amor, de amor morrendo” é
notável, não só pela anedota curiosa que lhe deu origem, mas porque muitos o
atribuíram em tempo ao outro poeta portuense João Baptista Gomes, e eu por tal
o houve sempre, até que os editores dando-o nesta colecção com a narrativa
assás verosímil do modo como fora composto, me determinaram a mudar de opinião
quanto a esta parte.
Os mesmos editores
declaram a pág. IX não terem podido achar algum exemplar da ode, que João
Evangelista imprimira em 1793, para a reproduzirem na sua colecção. A esta
dificuldade ocorreu felizmente o sr. Barbosa Marreca; que possuindo nos seus papéis
vários um daqueles exemplares, não só fez inserir textualmente na Revista
Universal tomo VI, n.º 45, pág. 538, a referida ode, mas também mandou
tirar dela alguns exemplares em separado, e no formato da colecção para a esta
se ajuntarem, eis aqui o título doesses exemplares:
Ode, que para
recitar no dia em que os estudantes académicos celebravam a feliz gravidação da
ser.ma princeza do Brasil, a senhora D. Carlota Joaquina, compoz
João Evangelista de Moraes Sarmento, Estudante da mesma Academia. Coimbra, na Real
Imprensa da Universidade. Anno de 1793. Lisboa, reimpressa na Typ. da Gazeta dos Tribunaes
1847. 8.º gr. de 7 pág.
O exame das poesias
de João Evangelista nos mostra que este poeta, aluno da escola francesa, era a
muitos respeitos digno do alto conceito em que o tiveram seus contemporâneos.
As suas composições agradam pela energia e brilho dos pensamentos, traduzidos
quase sempre em versos sonoros, e bem limados. Afigura-se-me contudo, que a sua
locução nem sempre é tão correcta como seria para desejar, e escapam-lhe a miúdo
certas impropriedades de linguagem, que sem dúvida evitaria se em vez de dar-se
de preferência ao estudo dos livros franceses, tivesse tido mais acurada lição dos
nossos antigos clássicos. Neles acharia decerto cópia e abundância de
vocábulos, adquirindo mais profundo conhecimento das riquezas do idioma pátrio,
que bem se vê lhe faltou.
Dicionário Bibliográfico Português, de Inocêncio Francisco da
Silva, continuado e ampliado por Pedro V. de Brito Aranha, Tomo III, Imprensa
Nacional, pp. 365-367
0 Comentários