Camilo Castelo Branco |
O tempo voa.
Há mais de 30 anos, então aluno da Faculdade de Letras da Universidade do
Porto, publicava em O Povo de Guimarães,
um texto sobre a amizade entre o escritor
Camilo Castelo e o arqueólogo Francisco Martins Sarmento. Começava assim:
Era 1860.
Naquele fim de primavera, entrava pelas portas de Guimarães um homem com pouco
mais de trinta anos e o rosto coberto de buracos. Não vinha em busca das
preciosidades históricas da cidade nem das “mais
lindas mulheres da Península”,
de que falara um viajante francês.
Os seus passos inseguros procuravam tão somente o refúgio onde pudesse repousar
o corpo metido a tormentos de febre e de
cansaço. Guiaram-no até ao largo da Oliveira onde, junto aos Paços do Concelho,
estava a casa da Joaninha. Não da Joaninha silvestre, de Garrett, perdida no
meio da Charneca, mas de uma velha repelente, “curtida em camadas de lixo empedrado”. Obrigado a acoitar-se em
tal hospedaria, que era, tal como a
descreveu um dia, “um pântano de
miasmas”, o viajante encontrou no leito onde ansiara acalmar o estado
febril “muito bicho, coevo do rei Bamba,
que lhe cravou a oliveira à porta”. E os alimentos que lhe deram, esses, eram
capazes de desfazer “febra a febra” o
seu estômago agoniado.
O homem
agoniado de quem falámos chama-se Camilo Castelo Branco. Ainda jovem, a sua
figura já se erguia entre os maiores escritores do seu tempo. Que livro
traçaria ele naquela altura? Apenas o romance das horas incertas da sua vida. A
sua presença em Guimarães era a de um foragido que viajava incógnito, em fuga
aos quadrilheiros da justiça, que o perseguiam com um mandato de captura na
algibeira. E estranho crime era o seu: apenas uma paixão feroz por uma mulher casada:
Ana Plácido.
Camilo
apenas permaneceu uma noite entre os bichos do leito da Joaninha. Lembrou-se
que, nas Taipas, tinha um conhecido, Francisco Martins, o qual, alguns anos antes, havia publicado um livro de
poemas marcado por uma espessa amargura e "um
impenetrável desengano”. Do seu encontro com aquele homem dirá Camilo nas “Memórias do Cárcere”: Procurei o conhecido
e achei um amigo, como usam
raramente ser os irmãos”.
Anos mais
tarde, em 1990, aquando da passagem do centenário da morte de Camilo, escrevi um outro texto sobre sobre o tema Camilo e Guimarães, que foi publicado no mesmo jornal:
Eram antigas
as ligações de Camilo Castelo Branco a Martins Sarmento e a Guimarães. No ano
de 1855, vinha a lume um livro intitulado Poesias, assinado por F. Martins.
Camilo dedicou-lhe um artigo, que incluiria nos seus Esboços de Apreciações Literárias
(l865). Aí se lê:
As setenta e seis poesias do sr. Francisco
Martins, que venho a ler com o vagar de quem estuda uma vida e decifra um homem
de vinte e dois anos, são daquelas que marcam o paroxismo da última flama da fé
para a escuridão impenetrável do desengano.
E, perante
toda a carga de amargura e tragédia
humana que transpirava daquele livro, Camilo conta que perguntou ao poeta se
tudo aquilo seria verdade. Entrou então no
segredo de grandíssimas dores. Tal segredo tem sido apontado como a causa
do envolvimento de Martins Sarmento nas investigações arqueológicas. É o
próprio Camilo que o refere, na dedicatória a Sarmento do seu livro No Bom Jesus do Monte (l864):
[...] Desde que o amor das cristãs lhe desmiolou a
cavidade craniana, anda em caça de mouras encantadas no ímpio propósito de
mourizar-se, se alguma o envolver nas madeixas negras, destrançadas com pente
de ouro e pérolas.
Recuperados do
meu baú de velharias, aqui partilho aqueles dois textos acerca de duas personalidades
extraordinárias. Podem ser descarregados a partir da seguinte ligação:
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