S. Torcato, 1912: romaria em tempos revoltos

As Festas de S. Torcato em 1912


Portugal, 1912
Género: documentário
Duração: 00:03:17, 18 fps
Formato: 35 mm, PB, sem som
AR: 1:1,33
Descrição: Imagens não montadas.
ID CP-MC: 3004995-004-00.26.18.01


Em Julho de 1912, o Norte andava agitado. Estava em curso uma das incursões monárquicas dos seguidores de Paiva Couceiro, que pretendiam repor a monarquia. Nos distritos de Braga, Viana do Castelo, Vila Real e Bragança foi decretado o estado de sítio. Em Guimarães circulavam notícias e boatos, que eram discutidos com vivacidade. Correu o rumor, que não se confirmou, acerca da suposta prisão, em Paços de Ferreira, do couceirista António Machado, director de O Comércio de Guimarães. Pela calada da noite, eram metidos debaixo das portas retratos do chefe da bandoleiragem incursionista. Ao contrário do que era habitual naquele tempo, o telégrafo entrou em regime de serviço permanente, não encerrando à noite. O mesmo acontecia no Centro Republicano, que funcionava como quartel civil dos defensores da República. À noite, cidade era patrulhada por grupos de republicanos. Por iniciativa do administrador do concelho, Guilhermino Rodrigues, organizou-se a patrulha das estradas, que era assegurada por republicanos transportados em automóveis. Estava para chegar à cidade, onde seria recebido com manifestações de júbilo, o Regimento de Infantaria 5. Chegou de comboio no dia 8 e ficou aquartelado na Escola Industrial.
No entanto, a vida continuava, como o demonstra a romaria de S. Torcato, que teve o seu ponto culminante no domingo, dia 7 de Julho. A festa esteve muito concorrida e animada, como o demonstram as 70 pipas de vinho consumidas pelos participantes. As esmolas para o santo renderam quase tanto como no ano anterior, mais de três contos e quinhentos (o que equivaleria, hoje, a cerca de 70.000 euros), sem contar as libras e as moedas de ouro. O povo andava alegre, e a sua alegria não foi perturbada por um acidente com fogo-de-artifício que causou a morte a um cavalo.
O semanário republicano Alvorada, na sua edição de 11 de Julho de 1912, refere-se às festas de S. Torcato em duas notícias, que aqui se transcrevem:

O povo alegre

Não obstante as notícias de graves e perturbantes acontecimentos que dominam todos os espíritos e enchem todas as discussões; apesar de ser conhecido o atentado contra uma ponte, de que resultou só mais tarde, e com os inconvenientes do transbordo, chegassem os primeiros comboios; apesar ainda de se ter dado em pleno arraial um desastre de que resultaram mortes e ferimentos, a romaria de S. Torcato esteve regularmente concorrida, mesmo muito concorrida, o que é prova de que o povo, de seu natural alegre e despreocupado, põe sempre muito interesse em divertir-se, seguindo aquela conceituosa filosofia de que a vida são dois dias... e quem cá ficar que o ganhe.
Alvorada, Guimarães, 11 de Julho de 1912, p. 1

Rendimento S. Torcato - Desastre

O rendimento das esmolas foi, em dinheiro e 3.587$290 réis, 89 libras e algumas moedas em ouro, 52 quilos de cera, afora o rendimento da venda e aluguer de mortalhas. Menos que no último ano 200 e tal mil réis, diferença no rendimento do aluguer do terreno para as barracas. Venderam-se 90 pipas de vinho, sendo 70 no arraial e 20 nas casas de pasto.
Nas primeiras horas da festa, no domingo, deu-se uma explosão na barraca onde se guardava parte do fogo, resultando ferimentos graves e a morte de um cavalo. O dono deste, fazendo uma quete, conseguiu juntar o suficiente para a compra... de dois.
Também 28 tambores, que ali se encontravam a guardar, se sumiram nos escombros.
A procissão saiu, como de costume, não havendo desordens, e a concorrência, como noutro lugar comentámos, foi grande, a despeito dos ares turvos da presente situação.
Idem, p. 3

A normalidade com que decorreram as festas de S. Torcato de 1912 ficou registada no filme que acima se reproduz, pertencente ao espólio da Cinemateca Portuguesa, cuja referência devo ao meu sempre atento amigo Miguel Bastos.


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