1905: A questão do emblema da Associação Artística (3)


Pormenor de notícia do jornal Justiça de Guimarães de 9 de Abril de 1905

A imprensa vimaranense foi particularmente expressiva na denúncia da destruição do emblema da Associação Artística, ocorrida a 24 de Março de 1905. O jornal Independente, afecto ao partido franquista, noticiou assim o acontecimento:



Emblema inutilizado


Dizem-nos que um dos membros directores da Associação Artística Vimaranense ordenou arbitrariamente, sem prévia deliberação da direcção, que fosse inutilizado o emblema da Associação – um compasso e um esquadro – que existia na frontaria do edifício da Associação Artística, sob o pretexto de que tal emblema representava o símbolo da maçonaria.
A referida inutilização, resultado de um extravagante preconceito religioso, tem dado que falar entre alguns sócios daquela colectividade, que não estão dispostos a deixar passar sem protesto semelhante selvajaria.
Independente, Guimarães, 9 de Abril de 1905
A reacção mais incisiva veio a lume nas páginas do periódico Justiça de Guimarães, órgão social e defensor das classes trabalhadoras:



Um facto… misterioso – A direcção da Associação Artística transgrediu os seus estatutos; - Aos sócios da mesma Associação


Vamos apontar a quem nos ler, um acto de completa ignorância ou talvez, o que ainda é pior, de absoluto desconhecimento dos emblemas símbolos do trabalho.

Há muitos anos que se acha construído um magnífico edifício, na rua de Gil Vicente, desta cidade, o qual pertence à Associação Artística que já foi muito útil ao operariado vimaranense, que encontrava ali algum lenitivo nos transes mais difíceis da sua vida.

No cimo da porta principal, existia um emblema, formado de um esquadro e um compasso, representativo do símbolo do trabalho.

Pois a direcção actual, da qual conhecemos pessoalmente alguns membros, embirrou com o emblema; chama um pedreiro que armado dum cinzel e martelo, faz desaparecer o mesmo emblema, que no entender da mesma Exma. e esclarecida Direcção não representava coisa alguma! Néscios.

Porém, há mais:

Sendo o referido prédio pertencente a uma Associação e consequentemente a todos os associados, não poderia a mesma lúcida Direcção praticar semelhante patetice, sem o voto da assembleia geral. Houve alguma reunião em assembleia geral que tal autorizasse? Não.

Logo, portanto, a inteligentíssima direcção calcou aos pés os Estatutos da Associação, que dizem, no Capítulo 6º Artº 15:

“A assembleia geral é o poder soberano da Associação.”

Mais:

Logo, se a assembleia geral não autorizou tal escândalo, a benemérita direcção tem que pôr tudo que formava o mesmo emblema no seu lugar (isto do seu bolsinho), pois então!

Mais:

Nos mesmos estatutos (citado art.º 15.º, alínea) – encontra-se a seguinte disposição: “Deliberar finalmente sobre tudo o mais que lhe for proposto se não for contrário aos fins da Associação…”

Onde está a deliberação  da assembleia geral, resolvendo a demolição do emblema?

Quando foi r sonde, que a “digníssima” direcção apresentou a proposta? Onde existe a mesma? Mistério!

E assim está uma Associação de socorros entregue a meia dúzia de homens que dispõem dela de motu proprio sem darem conta dos seus actos aos associados!

Mais:

Na frontaria do edifício existe uma inscrição do teor seguinte – “In arte fraternitas” – que, traduzida para português, é o seguinte: - “Fraternidade na arte” ou “Irmãos no trabalho”. Fraternidade, Exma. Direcção, Fraternidade é uma das três palavras que simbolizam as aspirações operárias, é o lema da República francesa - Liberdade - Igualdade - Fraternidade.
Não lhe causa cólicas, semelhante palavra, na frente do edifício, que pelo visto aspira a círculo católico?

Ficamos por aqui, para continuarmos no próximo número, porque ainda temos muito que dizer, e não nos sobra o espaço.

Até à semana, pois.
A Justiça de Guimarães, Guimarães, 9 de Abril de 1905

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