1905: A questão do emblema da Associação Artística (2)

Edifício da Associação Artística, obra do Arquitecto Nicola Bigaglia
Para se enquadrar a polémica que, na Primavera de 1905, rebentou em Guimarães a propósito da destruição do emblema da fachada da Associação Artística, há que perceber a natureza daquela instituição, que se movia por objectivos mutualistas e filantrópicos. Para o efeito, recorremos ao livro do nosso amigo Américo Costa, Associativismo, Mutualismo e Movimento Operário em Guimarães nas Primeiras Décadas do Século XX:

O programa do seu 34º aniversário, divulgado pelo periódico Comércio de Guimarães, dá-nos preciosas informações sobre a origem da Associação de Socorros Mútuos Artística Vimaranense. Refere que os seus estatutos foram aprovados a 15 de Novembro de 1869 e a sua inauguração ocorreu em 6 de Fevereiro de 1870. Instalou-se com 541 associados, na Rua Gil Vicente, com um fundo permanente de 4.892$580 réis, um fundo de reserva de 334$624 réis e um fundo disponível de 1.918$370 réis. O mesmo programa faz alusão às grandes lutas travadas entre os sócios, sinal, segundo o articulista, da “pujante virilidade” da instituição.
No Cap. I, art. 1º dos Estatutos pode ler-se que a “ «Associação Artística Vimaranense» é a reunião de todos os indivíduos do sexo masculino, que exercendo alguma arte ou officio, d’ella quizerem fazer parte, uma vez que residam na cidade de Guimarães e seu concelho.” Foi criada com o objectivo de socorrer os seus associados, quando, por doença, velhice, ou prisão, não pudessem exercer a sua profissão; auxiliar as suas famílias, e promover o melhoramento da “classe artística” (Cap. II, artigo 3º). Relativamente aos direitos do sócio (Cap. V, artigo 7º), além do poderem participar nas deliberações da Assembleia-Geral e frequentar a casa da associação, tinham também direito:
“1º - A ser tratado, quando doente, pelo facultativo da associação, estendendo-se este benefício a todas as pessoas da sua família, que com elle residirem.
2º - Ao fornecimento de remédios pelas receitas do facultativo, na pharmacia onde a direcção o tiver contractado para os associados enfermos, gosando também d’este benefício a mulher e filhos dos associados.
3º - A receber, quando inhabilitado para o serviço por lesão, decrepitude, ou moléstia chronica, a quantia de 160 réis diários, se a direcção não poder proporcionar-lhe ocupação que caiba nas suas forças, e em que tenha salario que chegue para a sua decente sustentação.
4º A receber um subsídio de 120 réis diários, no caso de ser preso, e só até ao dia do julgamento, sahindo livre; porque continuando preso, ou sendo expatriado, sem alteração no mais disposto n’estes estatutos, receberá sua mulher e filhos o subsidio que se arbitrar em assemblea geral.
5º - A que sua mulher e filhos, no caso d’elle adoecer, e, sendo irmão terceiro de qualquer das ordens d’esta cidade, preferir ser tratado nos hospitaes d’ellas, receba durante a moléstia a quantia de 160 reis diários.

6º - A receber, quando doente, não sendo irmão d’alguma das ordens d’esta cidade, a quantia de 100 réis diários.
7º - A que, pelo cofre da associação, se concorra com as despezas do seu enterramento, não pertencendo a alguma das ordens terceiras ou misericórdia d’esta cidade; e a que a viúva, emquanto o for, e orphãos menores que deixar, sejam soccorridos pelas associação, com o que em assembleia geral se arbitrar, em harmonia com as forças do respectivo cofre.
8º - A receber os livros necessários para seus filhos frequentarem as escolas que houver n’esta cidade, quando as forças do cofre permittam esta despeza.
Américo Fernando da Silva Costa, Associativismo, Mutualismo e Movimento Operário em Guimarães nas Primeiras Décadas do Século XX, edição da Associação Fúnebre Familiar Vimaranense, pp. 19-20

Apesar da confusão que eclodiu em 1905, por causa do seu emblema, a Associação Artística nada tinha de maçónico. A comprová-lo, basta olhar para os nomes dos beneméritos e colaboradores da Associação: o Padre António Caldas, os Margarides, Joaquim José de Meira, João de Meira, etc. Note-se que, no âmbito das suas actividades de socorros mútuos, a Associação mandava celebrar, todos os anos, missa de sufrágio pelas almas dos sócios falecidos, na igreja de S. Francisco. Por outro lado, não seria de esperar, por exemplo, que uma associação de índole maçónica manifestasse, em 1908, profunda mágoa pelo aniversário natalício do príncipe D. Luís Filipe, assassinado pouco tempo antes, juntamente com o seu pai, o Rei D. Carlos, num atentado que teve mão maçónica.

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