Ao Miguel Bastos e a todos quantos persistem em manter viva a chama da tradição nicolina.
Estão dançadas as Danças Nicolinas do ano da graça de 2011. Este
ano, fizeram história, porque assinalavam os 50 anos da Associação
dos Velhos Nicolinos (e também dos seus parceiros nestas artes, Os Trovadores
do Cano) e porque fizeram uma peregrinação pelos anais das festas, desde 1661
a 2112.
As danças são um dos números incontornáveis das Festas Nicolinas.
Não falta, aliás, quem as associe à origem das festas dos estudantes de
Guimarães a S. Nicolau, uma vez que, no livro Inventário Geral da Colegiada,
relativo provavelmente a 1664 (tenho encontrado referências a este documento
como sendo de 1564 ou 1654, mas parece-me seguro que é posterior, uma vez que a
capela só começou a ser erguida em 1662), se lê o seguinte:
A Capela de S. Nicolau fizeram-na
os Estudantes desta Vila e outros devotos de dinheiro que ganharam em comédias
e danças que por devoção do Santo e aumento da Capela aceitavam o dinheiro que
lhes davam.
Mas, de que se fala, afinal, quando se fala de danças e comédias?
Antigamente, por ocasião de festas religiosas ou outras
celebrações públicas, como nascimentos e casamentos na família real ou visitas
régias, havia o costume de organizar danças e folias (não é fácil distinguir
umas das outras, de tal modo se confundem), que consistiam em manifestações de
teatro de rua de raiz popular. No dicionário de Bluteau, encontramos a seguinte
descrição das folias:
Entre nós folia vale o mesmo que festa de várias pessoas,
tangendo e cantando com tambor e pandeiro, ou dança com muitas soalhas
[chapinhas metálicas dos pandeiros] e outros instrumentos, com tanto ruído,
extravagância e confusão que os que andam nela parecem doudos.
Em Guimarães, eram particularmente notáveis as danças e folias que acompanhavam a procissão do Corpo de Deus, que o Abade de Tagilde estudou: a
dança do rei David, a dança da Judenga, a dança da Mourisca, a dança da pela, a
dança dos instrumentos, a dança das ciganas, a dança dos azeiteiros (“muito boa,
com sua música”), a dança dos tendeiros (dança de fitas), a dança dos linheiros
(composta de dezasseis figuras, fora os tangeres, bem preparadas e vestidas,
dança das pescadeiras (dez figuras, com dois tangedores), a dança dos
mercadores do pano do linho (uma folia com dezasseis figuras, fora os tangeres,
com muito aparato e bem vestidas), a folia das moças (“sete figuras, incluindo
as violas e tambor, feita com toda a perfeição”). Encontram-se também
referências ao Império de Maria Garcia, com suas danças e tangeres.
Estas danças e o seu financiamento eram objecto de atritos entre a
Câmara, que organizava a procissão do Corpo de Deus, e aqueles que eram
constrangidos a fazê-las. Em alguns casos, essas obrigações foram
substituídas pela de assegurar umas quantas tochas para acompanhamento do
cortejo. Algumas delas, como a dança da mourisca e a dança da judenga, pelo seu
carácter de crítica social com contornos ofensivos e injuriosos, eram,
frequentemente, alvo de censura. Em 1732, o corregedor ordenou o fim das danças
e folias na procissão do Corpo de Deus, as quais foram substituídas por
andores.
Não faltam exemplos de danças executadas em momentos não
associados a actos religiosos. Assim foi, por exemplo, em meados de Maio de
1548, aquando da visita do infante D. Luís (filho do rei D. Manuel I). À
chegada, tinha à espera uma dança mourisca de trezentos meninos, tendo por rei
o seu mestre, João de Évora. Em S. Lázaro, saiu-lhe ao caminho entrada “uma dança de moças bem parecidas e concertadas, que
dançavam muito bem, de que ele gostou, e lhe cantavam”:
Meninas de Alfama
Não vades ao chafariz
Bem sabeis as tretas
Do infante D. Luís.
[continua]
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