As celebrações afonsinas de 1911 (15)


No dia 6 de Agosto de 1911, Guimarães assinalou o oitavo centenário do nascimento de D. Afonso Henriques com um cortejo cívico que percorreu as ruas da cidade, passando pela estátua do primeiro rei português, acabada de trasladar para o Toural, e terminou junto do Castelo, com o descerramento de lápides comemorativas na base de ambos os monumentos. Aqui fica a descrição das festas do centenário de 1911, segundo o relatado do jornal republicano Alvorada:



As festas do centenário


Decorreram com brilho igual ao dos anos anteriores as festas da cidade; e se no ano findo elas chegaram ao seu apogeu sob a inteligente e activa direcção de João Gualdino com o arrojo das exposições agrícola, industrial e de pintura retrospectiva local, este ano tomaram brilho intenso com o arrojo do centenário de Afonso Henriques, como fundador da nossa nacionalidade, realçado pelo cortejo cívico-histórico e pela homenagem que as placas colocadas no pedestal e no Castelo comemoram.

As feiras de gado bovino e cavalar estiveram muito concorridas de gado entre o qual se notavam belos exemplares, que obtiveram os prémios respectivos.

A tourada de sábado esteve regular, e a de domingo, à antiga portuguesa, esteve brilhante, com uma enchente à cunha, tendo as honras da tarde os cavaleiros João Marcelino e Morgado de Covas que colheram vastos aplausos.

O arraial de sábado, no Campo da república do Brasil, esteve muito concorrido e animado, fazendo bom negocio as barracas de todas as espécies. O grupo de tricanas agradou, como sempre, ao público das aldeias, especialmente, para quem este número se torna imprescindível, além do realce que oferece nos números em que colabora.

O cortejo cívico revestiu uma imponência extraordinária, produzindo sensação o grupo de guerreiros vestidos em estilo do século XII, sob o risco e direcção de José de Pina, mas a pé por dificuldades insanáveis da ultima hora, indo a cavalo apenas um com o estandarte da época, entre os arautos. Os dois carros alegóricos de honra e da indústria, de Abel Cardoso e José de Pina, foram muito admirados, e mereceram geral agrado os carros da agricultura e de alfaias agrícolas da iniciativa de João Margaride, pelo fino gosto que ele sabe imprimir aos seus trabalhos, como apaixonado que é deste ramo da riqueza nacional, tão digno de ser imitado. Estes carros, que eram acompanhados de grupos alegres e característicos, dispostos com arte, precedidas de uma soberba junta de bois, punham nesta parte do cortejo um cunho alegre e comunicativo que muito agradou ao digno governador civil, que da varanda da Sociedade Martins Sarmento assistia ao desfile. As numerosas associações de classe com as suas bandeiras, em boa compostura, os nossos briosos bombeiros com material adornado, as crianças das escolas oficiais primarias empunhando bandeirinhas nacionais, que agitavam, cantando hinos, seguidos de um lindo carro com formosas crianças; o grupo alegre e colorido das tricanas com os seus descantes populares o pessoal numeroso de ambos os sexos das fábricas de tecidos, autoridades, comissões das festas, magistratura, professorado, tudo constituía um espectáculo empolgante que nos enchia de orgulho, pelo que representava de valioso aos olhos dos forasteiros. Este imponente cortejo, que tinha uma extensão respeitável, era precedido da charanga de cavalaria 6, tocando a bélica marcha de guerra, e rematava-o infantaria n.° 20, sob o comando de um major.

Ao descerrar da lápide comemorativa do centenário, no pedestal de Afonso Henriques, pelo ilustre governador civil, assistindo ao acto também o nosso digno e inteligente representante nas Constituintes, dr. Eduardo de Almeida, foram lidas (...) mensagens pelos presidentes da Associação Comercial e da Comissão municipal, respectivamente.

(...)

Chegado o cortejo ao Castelo foi descerrada ali a lápide colocada no sopé do mesmo, com vivas a república e à Pátria livre, dispersando em seguida.

As janelas dos prédios estavam apinhadas de senhoras, que lançavam flores continuamente sobre o cortejo.

As iluminações gerais de domingo, das quais se destacou o largo do Toural, em arcaria da época com versos dos Lusíadas e feitos afonsinos, sob a indicação de Abel Cardoso, produziu belo efeito, distribuindo luz a jorros sobre a imensa onda humana que sob ela revolteava delirante em descantes e danças animadas, a que as músicas e o fogo do ar davam mais brilho. A banda de infantaria portou-se bem no concerto.

Algumas varandas estavam belamente ornamentadas e ¡Iluminadas, havendo luminárias em algumas torres.

O exercício de bombeiros, na segunda-feira, executado sob um sol abrasador, correu como sempre magistral, revelando destreza e valentia, sob o comando competentíssimo de Simão Costa e José de Pina, produzindo sensação nu publico o salvamento por meio do lençol de lona, adquirido pelo seu brioso comandante.

A batalha de flores, que este ano se feriu no campo do Toural, esteve animadíssima, notando-se apenas falta de carros adornados, devido não sabemos a que circunstâncias, não sendo talvez estranho ao facto a batalha que em Vizela se vai ferir no próximo domingo.

A marcha milanesa, ansiosamente esperada, esteve feérica como sempre, produzindo belo efeito o carro elefante. É tal a alma deste número das gualterianas que sabemos de um indivíduo que veio de Abrantes propositadamente para ver a marcha. Um bravo aos seus iniciadores!

Rematou as festas o concerto no jardim público pela banda da guarda republicana do Porto, que se houve magistralmente, colhendo aplausos.

A execução do hino nacional com que as bandas regimentais terminam os seus programas, nos jardins públicos, deu, causa, como vem sucedendo ali há alguns domingos, a que se efectuasse uma prisão por desacato ao mesmo, dando lugar a uma manifestação patriótica em que tomaram parte também elementos estranhos à terra. 

Alvorada, 10 de Agosto 1910


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