O Botequim do Vagomestre

O Botequim do Vagomestre situava-se no edifício que aparece realçado na imagem.

Em Maio de 1919, Fernando da Costa Freitas, publicou, no jornal Gil Vicente, uma "novela vimaranense", com o título "Amores!..." em que fala do antigo Botequim do Vagomestre, "célebre porque nele se reunia por essa época e ainda muitos anos depois, a intelectualidade vimaranense, a juventude doirada, a fina flor" da Guimarães de meados do século XIX. O Botequim, que pertencia a José Manuel da Costa, tinha portas abertas no lado poente do Toural, entre a Basílica de S. Pedro e a casa do Fidalgo do Toural. Costa Freitas descreveu assim o Botequim:
 
Era uma sala acanhada, de paredes nuas e pequena altura, com duas portas para a Praça do Toural, sala quase tão larga como comprida que quatro únicas mesas de simples luzidio mármore, com as competentes cadeiras de palhinha, — não muito confortáveis, mas muito frescas —, guarneciam e enchiam, escassamente alumiada por outros tantos candeeiros de azeite e onde o fumo da cozinha que lhe ficava na retaguarda, entrando, passando e repassando durante anos consecutivos, — e gerações inteiras—, como velho e assíduo frequentador, tinha comido o verniz dos móveis, — pré-históricos —, dando-lhes a cor, — igual e uniforme — da carne ensacada, ou dos chouriços fumeiros.
 
Por ali passou tudo quanto, em Guimarães, havia então de mais nobre e mais selecto, de mais ilustre e mais distinto, nas ciências e nas letras, nas artes e nas indústrias, no comércio e na agricultura, — numa época em que as diversas classes da sociedade, respeitando-se mutuamente faziam, no entanto, vida à parte, seguindo as indicações e as tendências dos seus mais altos e preclaros representantes.
 
Nesse botequim famoso em que o viandante amanhã não reparará por certo, mas cuja lembrança há-de perdurar como um dos pontos de reunião mais célebres de Guimarães, de todos os tempos, dentro daquelas paredes enegrecidas em que o talento de tantos e tão notáveis espíritos projectou luminosos e eternos revérberos, sobre aquelas pequenas e modestas mesas de café que o tempo consumiu, ou o fogo calcinou, discutiram-se, com amor e com carinho, todos os assuntos que diziam respeito à terra querida que lhes foi berço, —e sepultura!—com a mesma atenção, com a mesma ansiedade, com o mesmo interesse dos rabujos e inveterados jogadores do Quino ou do Xadrez, com a mesma obstinação, com o mesmo zelo, com a mesma solicitude dos parceiros habituais do jogo das Damas, que por ali passaram, ralharam, gritaram, sorriram, visto que todos eles e cada um de per si, por Sua Dama, — A Pátria! —, sacrificariam de bom grado a própria vida, ou esta palavra mágica não tivesse sido, sem contradita, o santo e a senha, o lema e a divisa duma abençoada maçonaria que os obrigou, enlaçou e prendeu, para sempre, a todos, tanto aos que apenas discutiam, como aos que jogavam — e ganhavam ou perdiam!...
 
(…)
 
O botequim do Vagomestre foi, simultaneamente, associação e grémio, assembleia e clube, academia e cenáculo e quantas vezes até — casa da câmara e tribunal!
 
Todas as questões se trataram ali; dali se orientava e dirigia a opinião; ali se criaram, formaram e discutiram todos os empreendimentos da moderna Guimarães, pelo que esse célebre botequim deve ser considerado ainda como o ponto de apoio, o fulcro abençoado e luminoso duma nova alavanca de Arquimedes soerguida então pelos braços vigorosos e hercúleos dos maiores patriotas que aquela terra jamais teve, numa ânsia de desenvolvimento, de progresso, de consideração e de renome, que constitui para todos os que ali nasceram, ali sentiram germinar os primeiros pensamentos e viram florir os primeiros amores, um título de glória e um pergaminho da mais alta e autêntica nobreza, — como manifestação da excelência da alma do menor numero em prol da comunidade e benefício da grei!
 
Hoje, esquecido e abandonado o botequim fechou!

Lisboa, Maio de 1919.

Fernando da Costa Freitas.
[Gil Vicente, 13 de Julho de 1919]

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2 Comentários

JC disse…
E agora, prestes a sair, o livro do Francisco Brito sobre este botequim, que já tive oportunidade de ler e recomendo!
Brevemente nas livrarias.
Anónimo disse…
"Guimarães como Capital Europeia da Cultura é a maior humilhação da era democrática para a cidade de Braga.”
Ricardo Rio ao "Diário do Minho", 1-03-2009