A servidão de Cunha e Ruilhe (2)


Ceuta, numa gravura do séc. XVI

[Continua daqui]


A propósito da origem da servidão dos moradores de Cunha e de Ruilhe, corre em Guimarães, há vários séculos (já corria no início do século XVIII), uma tradição que o insuspeito historiador Alfredo Pimenta classificou como história da carochinha. Aqui fica, como o Padre António José Ferreira Caldas a descreveu em finais do século XIX:

"Uma das mais notáveis e curiosas honrarias concedidas a esta vila foi, sem dúvida, a que lhe dera D. João I, depois da tomada de Ceuta.

Para a defesa desta praça em África, dividiu el-rei as estâncias da muralha, pelos moradores das cidades e vilas, que o acompanharam nesta empresa: acontecendo ficar a gente de Guimarães e Barcelos em estâncias seguidas, onde o combate com os mouros foi mais cruel e renhido.

Atemorizados os barcelenses pelo furor mauritano, desamparam o seu posto e fogem; mas logo os filhos de Guimarães, com o peito abrasado no amor da pátria, se dividem em dois terços, ocupando com um deles a estância abandonada, e defendendo-a até à vitória com inexcedível coragem.

Para castigar a fragilidade de uns, premiando ao mesmo tempo a heroicidade dos outros, mandou D. João I, que de então para sempre dois vereadores de Barcelos, com um barrete vermelho na cabeça, banda ao ombro da mesma cor, espada à cinta, vassoura de giesta em punho, e com um pé calçado e outro descalço, viessem em todas as vésperas das festas da câmara varrer as praças e os açougues de Guimarães; entregando depois o barrete e a banda aos nossos vereadores, dando-lhes assim satisfação de tão tributo, que pagaram a esta vila por muitos anos.

Não havendo já em Barcelos quem se prestasse a servir de câmara, fez o duque de Bragança D. Jaime com a câmara e povo de Guimarães, um contrato solene, pelo qual ficou obrigado a dar do termo da vila de Barcelos, de que era senhor, as freguesias de Cunha e Ruilhe, para que estas - anexadas ao termo de Guimarães - dessem todos os anos dois homens, que viessem aqui satisfazer tão pesado encargo."

António José Ferreira Caldas, Guimarães (Apontamentos para a sua história), (1.ª edição: Porto, 1881), 2.ª edição, Sociedade Martins Sarmento / Câmara Municipal de Guimarães, de 1996, pp. 212-213.

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