O Entre-Douro-e-Minho, por Duarte Nunes de Leão



A terra de Entre-Douro-e-Minho, como já temos dito atrás, é aquela região que jaz entre aqueles rios, r que fomente tem de longura dezoito léguas e de largura muitas menos apartes. O que desta terra se pode dizer, é coisa que com muitos pode perder o crédito: por a multidão da gente que produz, e por os muitos frutos que dá. Porque nela há o Arcebispado de Braga muito rico que tem o primado de Espanha, sobre que pende uma antiga demanda entre o Arcebispo desta cidade, e o de Toledo: no qual há oitocentas pias de baptizar: e o Bispado da cidade do Porto que tem seiscentas, e mais cinco igrejas colegiadas convém a saber Guimarães, Cedofeita, Vila de Conde, Barcelos e Viana.

 
E cento e trinta mosteiros e Abadias de mui grossas rendas, afora ermidas e oratórios, e muitas comendas das ordens de Cristo, Santiago, Avis, e de São João do Hospital de grossas rendas. A causa disto é, que por a pureza e salubridade dos ares e pela excelência das águas se multiplicam ali muito os homens, e vivem muito: porque ninguém adoece ali senão por excesso de comer e beber, e outras tais culpas, pela abundância que de tudo tem. As mulheres parem até cinquenta anos: e os filhos se lhes logram por a mesma razão do bom terreno, boas águas e do bom céu de que gozam. Pelo que pela maior parte em cada casal se acham xx.xxvi filhos: de que vem haver tanta gente, que da plebeia (segundo ouvi aos oficiais do regimento da vila de Barcelos que é do Duque de Bragança, no tempo que se faziam as ordenanças da gente militar) só daquela vela e seu termo em trinta e duas bandeiras que havia, saíram dezassete mil homens com suas armas. E assim é toda a terra tão povoada, que não podem dar um brado em qualquer parte que sejam que não acuda gente. Enfim como a gente plebeia é tanta, que cada dia sai como exames de abelhas para todas partes do reino, não há lugar onde se não achem muitos homens de Entre-Douro-e-Minho para lavor e cultura da terra, em ceifas, em marinhas, em adúbio de vinhas e outros serviços, no mar e na terra, assim em Lisboa como em Alentejo e reino do Algarve, e nas partes de África onde de cavouqueiros e servidores e homens de armas há grande número: principalmente dos Arcos de Valdevez donde saem valentes soldados. Da gente nobre desta província tivemos sempre assim no exercício das armas como nas letras homens excelentes que foram grande ornamento deste reino, e são hoje no conselho de Portugal e no de Castela. E se recorrermos aos tempos antigos, da mesma terra procederam as mais casas nobres que hoje há no reino de Portugal e de Castela de que há as antigas de seus solares e apelidos que em seu lugar nomearemos. Os mantimentos de que esta tanta gente se mantém, são muito trigo que em algumas partes desta região de Entre-Douro-e-Minho se colhe e o muito centeio e milho e infinidade de todas frutas, carnes e pescados dos melhores e mais saborosos de Espanha, muito vinho do que chamam enforcado de que agente plebeia se sustenta: que para os nobres se valem dos vinhos riquíssimos de Ribadavia e de outros de Galiza sua vizinha e de Lamego e Monção de que tem grande provisão. A terra é tão frutífera de tudo o que é necessário à vida, que se pode chamar um paraíso terreal em o qual todo o ano há flores como na primavera.

 
Nesta mesma terra há muita caça e muito aparelho para a tomar, de cães e aves de toda sorte que na mesma terra se dão. Esta grande abundância de mantimentos se causa das muitas águas, fontes e rios por o que dizia Estrabão que a Lusitânia era terra feliz. Basta saber-se que há só entre os dois rios Douro e Minho vinte cinco mil fontes, e duzentas pontes de pedra lavrada.

 
In: Descripção do Reino de Portugal / per Duarte Nunez do Leão, desembargador da casa da supplicação: dirigido ao... Sñor Dom Diogo da Sylva, Duque de Francavilla.... - Em Lisboa: impresso com licença, por Iorge Rodriguez, 1610, pp. 65-66

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