Dos couros e da curtimenta

Fez, Marrocos, Abril de 2010

A indústria de curtumes tinha o seu núcleo produtivo no bairro situado ao sul da cidade de Guimarães, estendendo-se pelas margens do ribeiro que, na sua passagem por aquele lugar, adopta a designação de rio de Couros. Aquele bairro, designado de rua de Couros, – estende-se por uma teia de ruelas, pequenos largos e becos, com uma grande concentração de casas, tanques de curtimenta (lagares e lagaretas), barracas e secadouros. Os curtidores, que grosavam e limpavam o carnaz do couro verde, ocupavam, na escala dos ofícios que então se praticam em Guimarães, a posição mais baixa. O que havia de mais distintivo daquela zona da velha urbe vimaranense era o cheiro que dali se exalava, resultante da podridão a carne que se agarrava às pelas por curtir e dos reagentes que se usavam na curtimenta, onde os excrementos de pombo ocupavam lugar de destaque. Contava-me um velho amigo, Francisco Ramos, que, um homem de Couros era sempre reconhecido à distância, pelo odor que se lhe entranhava na pele e que exalava, mesmo quando vinha passear para a cidade envergando o seu fato domingueiro. Os velhos processos de tratar o couro já há muito caíram em desuso entre nós, sendo substituídos por novos processos industriais, também eles em vias de extinção em terras de Guimarães. Da velha zona de Couros, do trabalho que por lá se fazia e do seu cheiro característico, apenas perduram as memórias dos poucos que ainda se lembram do tempo em que por ali se praticava a curtimenta. Recentemente, vivi a estranha sensação de retorno a uma rua de Couros que nunca conheci. Foi em Fez, no coração de Marrocos. E lá estavam os tanques, os couros, os excrementos de pomba, o trabalho duro, muito duro e o cheiro. Um cheiro intenso, áspero, quase insuportável, que se colava à pele  como um ferrete e que teimava em não se soltar.

 
Fez, Marrocos, Abril de 2010

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