Do nascimento de Afonso Henriques: a espuma da polémica


D. Afonso Henriques, visto por João Óscar em 2009

Em 2009, a dúvida sobre o local de nascimento de Afonso Henriques fez correr muita tinta. De repente, parecia que a história pátria era virada do avesso. Na origem do alarido, alimentado de muita paixão bairrista e escasso rigor histórico, esteve a aparente ratificação, por parte de José Mattoso, de uma tese com quase duas décadas de A. Almeida Fernandes, segundo a qual o filho de Henrique e Teresa teria nascido em Viseu (in "Viseu, Agosto de 1109 – Nasce D. Afonso Henriques").

Sobre esse assunto, e sobre o que se pode ler nos documentos utilizados por Almeida Fernandes, já aqui falamos quanto baste.

O que leram os que de repente se sentiram animados de repentina paixão afonsina, foi o que se segue:

"Todavia, a demonstração feita por Almeida Fernandes alcança verosimilhança suficiente para se admitir como possível, ou mesmo a mais provável, até que outras provas sejam apresentadas em contrário. É, de facto, admissível, com base nos documentos por ele invocados, que Afonso Henriques tivesse nascido em Viseu por meados do mês de Agosto de 1109." (in Mattoso, José, D. Afonso Henriques, Círculo de Leitores, 2006, pág. 18)

Mas, muito convenientemente, não terão lido a advertência que o mesmo autor escreveu, umas linhas abaixo, na mesma página do seu livro:

"Para um problema como o do nascimento de Afonso Henriques, não há certeza alguma, apesar da confiança que Almeida Fernandes pôs nas suas próprias afirmações. Aquilo que é possível, admissível, verosímil, hipotético ou provável não se pode transformar em certeza."

Acabo de ler uma entrevista de José Mattoso, publicada pelo Diário de Notícias no passado dia 3 de Abril, em que comenta a polémica que a sua  tão propalada validação da tese de A. de Almeida Fernandes despoletou:

Quando investigou Afonso Henriques, criou a dúvida sobre se o seu nascimento acontecera mesmo em Guimarães ou Viseu.
Não fiz uma investigação pessoal, antes aceitei a tese do historiador Almeida Fernandes e limitei-me a dizer que seria a tese mais segura. No entanto, acabei por concluir que não era tão segura como pensava e considero que é necessário voltar a examinar a questão se ela nos interessar mesmo. Dei essa opinião na biografia sobre Afonso Henriques sem pensar que iria constituir uma base para uma polémica e quando realizaram o congresso invocaram a minha opinião. Parece-me, no entanto, que esta polémica sobre a terra onde o rei nasceu é excessiva, porque questiono qual é a importância exacta sobre se a terra natal do nascimento do rei é Guimarães ou Viseu? Do ponto de vista histórico, é praticamente nenhum, porque o rei não fez a sua vida em nenhum destes lugares, mas em Coimbra e a partir desta cidade.

Mas foi uma dúvida [o local] que causou bastante polémica.
Concordo, mas não se verifica por razões históricas, mas de rivalidade paroquial entre duas cidades. Diria que é uma espécie de manifestação de incultura histórica. 

Registo não ter encontrado nenhum comentário dos convictos defensores do nascimento viseense de Afonso Henriques a esta entrevista de José Mattoso, na qual se demarca da tese de Almeida Fernandes.

Na sua edição de 12 de Agosto de 1906 do jornal vimaranenses Independente, João de Meira escreveu o seguinte:

 "Nenhum documento ou monumento digno de crédito, digo eu, nos autoriza a afirmar que Afonso Henriques nasceu em Guimarães. É um facto possível mas não provado, como também se não prova que fosse baptizado na igreja de S. Miguel do Castelo."

Passado mais de um século, continuamos como no tempo de João de Meira: não sabemos onde nasceu D. Afonso Henriques, por continuarmos sem conhecer qualquer "documento ou monumento digno de crédito" que permita iluminar a questão. Provavelmente, nunca o saberemos. Pela parte que me toca, continuarei a dormir descansado…

Comentar

0 Comentários