João de Meira, escritor-fingidor (14)

[O Toural]

Eram 5 horas da tarde de um sábado quando Eusébio entrou no Toural. Sob o alpendre da Alfândega peixeiras espiolhavam-se, muito farraponas, com os filhos pendurados dos seios mordidos de pulgas, escorridos como velhas meias com um pataco dentro; raparigas alegres cheias de risos e de banha de cheiro, tiravam por artificiosas canas a água de chafariz, de três taças, encimado pela esfera armilar; no botequim do Vago-Mestre janotas de bigode e pêra, o Martins Sarmento, o João Machado Pinheiro, o Luís Cardoso, o José Falcão, conversavam, bebiam cálices de cana; às janelas do Pita alfaiate, oficiais trabalhavam; nas escadas do Cruzeiro do Rosário, lavradeiras vendiam afusais de estopa e meadas de linho; oleiros recolhiam o estendal de louça; porcos fossavam a meio do terreiro, junto de um lenhador que desfazia canhotos com vagares metódicos; o sino grande de S. Pedro tangia, estremecendo as prateleiras da louceira instalada no sopé da torre; uma guitarra gemia em casa do Bento barbeiro. Eusébio Macário cortejou de passagem o seu colega Matias, o da botica da erva, esbarretou-se diante da igreja de S. Pedro (porque apesar de filósofo, como a si mesmo continuava a apelidar-se, entendia dever lisonjear a piedade vimaranense) e foi apear-se à porta do Gaita.


João de Meira, Eusébio Macário em Guimarães (Capítulos suplementares à Corja de Camilo Castelo Branco), in o Mundo Ilustrado, Porto, 1912.

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