Vimaranenses: João Evangelista de Morais Sarmento

Embora não fosse nascido em Guimarães, João Evangelista, adoptou a nossa terra como pátria e aqui faleceu, sendo sepultado na capela da Venerável Ordem Terceira Franciscana, é de justiça pois que nós lhe confiramos um lugar nesta galeria.

Apresentamo-lo, transcrevendo sua biografia do Dicionário Popular, excelente publicação dirigida pelo Exmo Pinheiro Chagas:

“Distinto poeta português, n. no Porto a 16 de Dezembro de 1775, sendo filho de Francisco José de Gouveia Morais Sarmento, oficial da tesouraria geral das tropas. Em 1787 morreu seu pai, e ficou o moço João Evangelista entregue aos cuidados de sua mãe, que desejou que ele seguisse a carreira de medicina. Estudou humanidades no Porto, e aos 18 anos era já conhecido entre os seus condiscípulos como poeta apreciável, quando partiu para Coimbra, um pouco contra vontade, mas para obedecer aos desejos de sua mãe, e tomou o grau de bacharel em medicina em 1801. Voltou então para o Porto a exercer clínica, e, apesar de se ter formado com pouco gosto, não tardou a granjear fama de excelente médico, sendo tido ao mesmo tempo como um dos mais talentosos poetas dessa cidade. Era sobretudo óptimo improvisador, e por isso muito estimado nas salas, onde era moda então a cada instante glosarem-se em décimas e sonetos os motes que as damas procuravam fazer finos e conceituosos. Tinha além disso grandes faculdades oratórias, e como lhe eram inúteis numa época em que não havia assembleias deliberativas, e em que só lhe estavam abertos por conseguinte os campos do foro e do púlpito, em que ainda assim não podia entrar por não ser advogado, nem padre, desabafou escrevendo vários sermões que foram pregados por alguns padres, que os recitavam como seus, nos púlpitos de Guimarães e do Porto. Infelizmente o espírito de João Evangelista era como a alma da Raquel, no dizer de um chefe árabe, de fogo num corpo de gaze. Excessivamente nervoso e débil, sofria muito, e em 1823 teve um primeiro ataque de paralisia, de que se curou, ficando contudo arruinado, sempre num tremor convulso e quase não podendo sair. Não tardou a repetir-se o ataque, enclausurando-o de todo, até que uma pleurisia, seguida por um hidrotórax agudo, veio pôr termo à sua vida angustiosa no dia 20 de Outubro de 1826, tendo apenas 53 anos de idade. Foi casado duas vezes, mas de nenhuma das esposas teve filhos.

João Evangelista publicara muito poucos versos, mas em 1847 alguns amigos seus que ainda viviam, e que possuíam a colecção dos seus versos, revista e emendada por ele mesmo antes de morrer, resolveram publicá-la com o título singelo de Poesias, precedida da biografia do autor. Consta esse volume de 47 sonetos, uma quadra glosada, uma cantada, 11 odes, 7 elegias e outras composições, colcheias, motes glosados, a tradução em verso do Rhadamisto de Crébillon, e um panegírico em prosa de S. Jerónimo.

“O exame das poesias de João Evangelista, diz Inocêncio, nos mostra que este poeta, aluno da escola francesa, era a muitos respeitos digno do alto conceito era que o tiveram os seus contemporâneos. As suas composições agradam pela energia e brilho dos pensamentos, traduzidos quase sempre em versos sonoros e bem limados. Afigura-se-me contudo que a sua locução nem sempre é tão correcta como seria para desejar. Escapam-lhe amiúde certas impropriedades de linguagem, que som dúvida evitaria, se em vez de dar-se de preferência ao estudo dos livros franceses, tivesse tido mais acurada lição dos nossos antigos clássicos. Neles acharia decerto cópia e abundância de vocábulos, adquirindo mais profundo conhecimento das riquezas do idioma pátrio que, bem se vê, lhe faltou.

Entre os sonetos de João Evangelista figura um que principia Por Márcia o deus de amor de amor morrendo, soneto do que se dizia que seria excelente se não padecesse do mormo, porque tem, como se vê, a cacofonia de amor morrendo. A um poetastro que fizera um soneto igual defeito, dirigiu o pai do director deste Dicionário um soneto que ainda se conserva inédito e em que alude da seguinte forma ao de João Evangelista:

O soneto que mormo padecia
Em toda a mais feitura era um portento.

Quando João Evangelista ainda era estudante da universidade escreveu uma ode para ser recitada no dia em que os alunos da universidade tencionavam celebrar a notícia de se achar grávida a princesa do Brasil D. Carlota Joaquina. Não puderam os editores das Poesias encontrar um exemplar qualquer dessa ode. Encontrou-o Barbosa Marreca que o reimprimiu na Revista Universal, tirando alguns exemplares à parte em 1847.”

[João Gomes de Oliveira Guimarães, in O Espectador, n.º 50, Guimarães, 16 de Outubro de 1884]

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2 Comentários

Anónimo disse…
Caro Amaro das Neves,

Se não me engano João Evangelista de Morais Sarmento morava na Tulha, na casa onde hoje fica o bar "Nicolino"...
Tenho que confirmar este dado que vi há algum tempo num inventário mas penso não estar enganado.

Fica aqui mais esta nota sobre este poeta vimaranense

Abraço,

Francisco Brito
Caro Senhor.
É uma oportunidade que não pretendo desperdiçar: acabei de ler o nome deste poeta numa novela do Minho, de Camilo C. Branco. Um padrinho de meu pai, Evangelista de Moraes Sarmento, filho de João António de Morais Sarmento, tinha o mesmo nome do poeta vimaranense. Se eventualmente tiver alguma sequência genealógica do poeta, agradeço que ma possa transmitir.
Grato pela atenção,

Luís de Moraes Sarmento