Nos últimos tempos, muito se tem falado acerca do local de nascimento de D. Afonso Henriques, a propósito da tese de A. de Almeida Fernandes, autor de um livro que ostenta o título “Viseu, Agosto de 1109 – Nasce D. Afonso Henriques” (obra de 1993, inicialmente publicada na revista Beira Alta, em 1990, recentemente reeditada). Como o assunto vai voltar a estar, por algum tempo, na ordem do dia, iremos aqui, nos próximos dias, analisar a tese viseense de Almeida Fernandes. Começamos pelos seus argumentos, assim resumidos pelo próprio autor:
Como termo de longa doença, a vida de Afonso VI de Leão caminhava para o seu fim nos últimos dias de Junho de 1109. Contestando uma constada sucessão do Reino em sua filha Urraca, seu genro Henrique, o conde de Portugal, prevalecendo-se de sua mulher, Teresa, outra filha do monarca, apresentou-se em Toledo numa verdadeira perseguição ao moribundo, no sentido de obter dele a melhor sucessão possível – visivelmente até com o fito na própria coroa.
Teresa não está presente, embora ela a principal interessada e tão ciosa daquela sucessão como o marido: não assistiu à morte do pai – como não, também, às suas exéquias. Um impedimento bastante ao facto a retinha em Viseu – onde fora estabelecida a sede ou capital dos seus domínios, depois de ampliados estes para o sul dos concedidos a ela como dote nupcial por seu pai, preferindo-a a Coimbra pela maior segurança contra Árabes e Moçárabes e por outras razões.
Igualmente não assistiu à morte do sogro nem às suas exéquias o conde Henrique, que dele se afastara num assomo memorando de ira. Compelira-o a afastar-se dele, no momento decisivo para os seus interesses na sucessão, a notícia da revolta arábica contra o seu domínio começada em Sintra e que poderia incendiar Coimbra.
Passando por Viseu, onde a esposa assistia, aí tendo prometido o foral à vizinha Zurara (Mangualde), e por Coimbra, onde prometeu à catedral a dádiva do mosteiro de Lorvão, organizada a sua expedição a Sintra o melhor e mais rapidamente possível, sobretudo com milícias de próceres de entre Douro e Minho e de infanções de Santa Maria, marchou para o Tejo e submeteu os revoltosos, salvando Coimbra do contágio.
De regresso a Coimbra, confirmou a doação sobredita, em traditio super altare na catedral, presentes os próceres e infanções sobreditos, mas ausente D. Teresa. Esta continuava impedida em Viseu – onde, pois, no seu paço, teria de realizar-se uma segunda cerimónia, para a sua robora na sobredita doação. Estava também presente em Coimbra o conde Pedro Froilaz (de Trava), aio do pequeno infante Afonso Raimundes, o qual Conde, após as exéquias de Afonso VI, se apressou a dirigir-se de Toledo a Portugal, a fim de aqui proceder às necessárias conversações sobre a eventual aclamação do dito Infante seu pupilo como rei da Galiza – em que Portugal se incluía de direito, o que a Henrique e Teresa era profundamente molesto.
Entretanto, compareceria em Viseu, junto a D. Teresa, o primaz Bernardo, legado papal e pretendido metropolita das dioceses "portuguesas" ao sul do Douro. Animava-o finalidade idêntica à da presença do conde de Trava, prevendo uma acesa luta de sucessão, ou até uma separação política em que seria preciso garantir contra Braga o direito pretendido. E isto igualmente seria molestíssimo a Henrique e Teresa – que se viam obrigados a submeter-se aos desígnios tanto do conde de Trava como do arcebispo de Toledo, por mais provisória e reservadamente que tivessem de fazê-lo. Sabida a presença do metropolita toledano em Viseu, passaram de Coimbra para aqui o bispo eleito (Gonçalo) e o prior e mestre da sua catedral, ficando a representá-los em Coimbra, na primeira cerimónia (traditio), o principal arcediago.
Como se mantivesse o impedimento da sua comparência em pessoa em Coimbra, enviou D. Teresa uma deputação sua à dita cerimónia, constituída pelo prior de Santa Maria de Viseu e por um presbítero da mesma, e por treze personalidades populares de importância em Viseu, cujo povo era da maior dedicação a D. Teresa e objecto retribuído da maior predilecção dela. Entretanto, Egas Moniz, indigitado aio da criança cujo nascimento se aguardava, passava de Viseu a Mangualde para, com dois delegados, conferir o foral, na vez de D. Henrique e de D. Teresa expressamente, acompanhando-os o bispo eleito de Coimbra (que o metropolita Bernardo sobredito viera consagrar – o que ainda não sucedera, aguardada em Viseu a presença de D. Henrique).
Foi nesta altura, à roda de 5 de Agosto de 1109, que no paço de Viseu veio à luz o nosso primeiro Rei, D. Afonso Henriques.
A presença da mãe ali é, então, um facto irrefutável – forçada, pelo seu estado fisiológico, a não assistir nem à morte do pai e suas exéquias, nem a pugnar pessoalmente pelos seus direitos de sucessão, e a não assistir à cerimónia conimbricense da traditio em 29 de Julho (um mês exacto após a morte do Rei), cerimónia essa que teria o seu complemento noutra em Viseu, dias depois e para sua confirmação. A ocasião concorda da maneira mais perfeitamente ajustada com a idade que as fontes da época indicam para D. Afonso Henriques, quando morreu seu pai (1 de Maio de 1112), isto é, cerca de três anos: dois anos e, mais ou menos, nove meses.
A. de Almeida Fernandes, Viseu, Agosto de 1109 – Nasce D. Afonso Henriques, Viseu, 1993, pp. 173 e 174.
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