Em finais de 1885, quando se aproximava o dia 6 de Dezembro, em que passavam 700 anos sobre a morte de D. Afonso Henriques, surgiram em Guimarães diversas movimentações para que a data fosse assinalada de modo condigno. A título de exemplo, aqui se transcreve o segundo texto de uma série de cinco que foram então publicados no "O Comércio de Guimarães":
CENTENÁRIO DE D. AFONSO HENRIQUES
II
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Assim como de pequenas nascentes de água que recebendo no percurso de seu trajecto o tributo de outras nascentes e de pequenos riachos dos terrenos por onde vão passando, chegam a formar-se grandes rios, formidáveis cursos de água, assim também a dívida em que estamos para com o herói de Ourique longe de estar saldada, avultando de século para século, de geração para geração, sempre crescendo e sempre avolumando, apresenta-se-nos hoje tamanha, tão importante, que, para a saldarmos, se nos antolha insignificante a inauguração da estatua pedestre que, lhe vamos erigir, que para a solvermos, se nos parece insuficiente uns modestos festejos que se projectam fazer.
É necessário mais, muito mais; é indispensável que estes festejos com que celebramos o centenário sintetizem o pensar da geração actual, que sejam como que a expressão do sentir dos homens de hoje, sendo necessário que eles tenham uma significação mais altruísta, mais acentuadamente progressista e moderna, e para isso é preciso que sejam magnificentes e soleníssimos, grandes e estrondosos, porque nisso vai empenhada a nossa honra, o orgulho que sentimos de ser sempre na vanguarda de tudo que é grande, de tudo que é nobre.
É por isso tempo de trabalhar: um mês pouco mais se nos depara; mas neste período relativamente pequeno que nos resta, pode-se lazer muito, poder-se-á aproveitar o perdido se todos que sentem bater o coração mais aceleradamente a todas as glórias da pátria se unirem, se todos os vimaranenses que amam a sua terra se empenharem nesta cruzada civilizadora, prestando-lhes todos o seu apoio, contribuindo e colaborando todos para a sua realização e para o seu brilhantismo.
Guimarães, o berço do vencedor de Ourique, desse vulto gigante da nossa autonomia, não, pode cruzar os braços e assistir impassível perante essa época memorável do 6 de Dezembro, que nos vem recordar uma dívida em aberto há sete séculos, que nos vem patentear a nossa imersão demorada na inércia e no desalento de que parece vamos ressurgindo, e nos faz rever com vergonha no projectado centenário de S. Dâmaso uma página escura da nossa história brilhante, quando no Brasil, corações generosos, almas de patriotas, se empenham para celebrar o centenário de Afonso Henriques.
O grito ei-lo lançado pelo centenário, e perante ele cessam todos os desalentos, quebram-se todas as malquerenças, todos os ressentimentos se apagam, e então toda unida e disciplinada, essa falange nobre de espíritos grandes e generosos, belos e entusiastas, de caracteres imaculados e de almas de eleição, tendo escutado e compreendido o nosso apelo às armas, o grito de guerra que arremessámos ao espaço - guerra da luz contra as trevas, da civilização contra a ignorância, da inteligência contra a estupidez – é connosco, vem colocar-se ao nosso lado, disposta a secundar os nossos esforços, pôr-se ao abrigo da nossa bandeira - a do progresso, a da civilização, e unida e disciplinada, pronta a entrar em combate à primeira voz de fogo, à porfia, procurando desenvolver forças e transformar a esperança que alimentamos de um desejo fervoroso, uma utopia em um facto indiscutível e realizável.
É esse o fim que alveja mos e para a sua realização nos artigos subsequentes iremos expandindo e desenvolvendo as ideias que nos ocorrem sobre este assunto.
O Comércio de Guimarães, n.º 134, 2.º ano, 2 de Novembro de 1885
É necessário mais, muito mais; é indispensável que estes festejos com que celebramos o centenário sintetizem o pensar da geração actual, que sejam como que a expressão do sentir dos homens de hoje, sendo necessário que eles tenham uma significação mais altruísta, mais acentuadamente progressista e moderna, e para isso é preciso que sejam magnificentes e soleníssimos, grandes e estrondosos, porque nisso vai empenhada a nossa honra, o orgulho que sentimos de ser sempre na vanguarda de tudo que é grande, de tudo que é nobre.
É por isso tempo de trabalhar: um mês pouco mais se nos depara; mas neste período relativamente pequeno que nos resta, pode-se lazer muito, poder-se-á aproveitar o perdido se todos que sentem bater o coração mais aceleradamente a todas as glórias da pátria se unirem, se todos os vimaranenses que amam a sua terra se empenharem nesta cruzada civilizadora, prestando-lhes todos o seu apoio, contribuindo e colaborando todos para a sua realização e para o seu brilhantismo.
Guimarães, o berço do vencedor de Ourique, desse vulto gigante da nossa autonomia, não, pode cruzar os braços e assistir impassível perante essa época memorável do 6 de Dezembro, que nos vem recordar uma dívida em aberto há sete séculos, que nos vem patentear a nossa imersão demorada na inércia e no desalento de que parece vamos ressurgindo, e nos faz rever com vergonha no projectado centenário de S. Dâmaso uma página escura da nossa história brilhante, quando no Brasil, corações generosos, almas de patriotas, se empenham para celebrar o centenário de Afonso Henriques.
O grito ei-lo lançado pelo centenário, e perante ele cessam todos os desalentos, quebram-se todas as malquerenças, todos os ressentimentos se apagam, e então toda unida e disciplinada, essa falange nobre de espíritos grandes e generosos, belos e entusiastas, de caracteres imaculados e de almas de eleição, tendo escutado e compreendido o nosso apelo às armas, o grito de guerra que arremessámos ao espaço - guerra da luz contra as trevas, da civilização contra a ignorância, da inteligência contra a estupidez – é connosco, vem colocar-se ao nosso lado, disposta a secundar os nossos esforços, pôr-se ao abrigo da nossa bandeira - a do progresso, a da civilização, e unida e disciplinada, pronta a entrar em combate à primeira voz de fogo, à porfia, procurando desenvolver forças e transformar a esperança que alimentamos de um desejo fervoroso, uma utopia em um facto indiscutível e realizável.
É esse o fim que alveja mos e para a sua realização nos artigos subsequentes iremos expandindo e desenvolvendo as ideias que nos ocorrem sobre este assunto.
Mário.
O Comércio de Guimarães, n.º 134, 2.º ano, 2 de Novembro de 1885
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