Do Nascimento de Afonso Henriques (1)

Do ponto de vista do conhecimento histórico, do nascimento de D. Afonso Henriques sabe-se muito pouco. Em contrapartida, há uma forte tradição, em parte construída em referências históricas, em parte sustentada pela força de mitos, que nos descreve a vinda ao Mundo daquele que seria o rei fundador de Portugal e dos milagres que teriam envolvido o seu nascimento. Em 1692, o Padre Torcato Peixoto de Azevedo contava assim o nascimento de Afonso Henriques na vila de Araduca (Vila Velha de Guimarães):

Em que se da conta do nascimento d'el-rei D. Afonso Henriques.
Nasceu el-rei D. Afonso Henriques na vila velha do Araduca em 1094, e na paróquia de S. Miguel foi baptizado pelo arcebispo de Braga S. Geraldo, na pia que depois se trasladou para a Real Colegiada, aonde se venera. Trouxe este príncipe em seu nascimento as pernas pegadas por detrás uma na outra, aleijão que deu tanto sentimento a seus pães, que o não queriam dar a criara D. Egas Moniz, a quem o tinham prometido antes do parto, pela grande deformidade com que Deus lho quis mostrar, mas movidos de seus rogos, e instâncias lho entregaram, a quem o bom vassalo criou com tanto resguardo, como se fora em saúde perfeita. Mas a Virgem Nossa Senhora apiedando-se de quem sabia que na vida lhe havia fazer grandes serviços, e depois do sua morte lhos haviam continuar seus sucessores, de tal maneira que não se contentando em fazer venerar seu santo nome na Espanha, o levaram à veneração das terras orientais. Inflamado no amor que já então tinha para com os reis de Portugal, ouvindo as orações dos lastimosos pais do menino, apareceu a D. Egas Moniz em sonhos, e lhe disse, fosse a um lugar junto da cidade de Lamego chamado Carqueres, e que mandando cavar achariam ali uma igreja, que se havia em outro tempo começado em seu nome, e uma sua imagem, que concertando tudo, e fazendo aí vigília pusesse o menino sobre o altar, e que logo sararia.
Dizem os cronistas que a Gloriosa Virgem encomendara a D. Egas Moniz, que daí em diante criasse o menino com o mesmo resguardo com que até ali o fazia: porque seu amado filho tinha determinado por ele, e seus descendentes, destruir muitos inimigos de seu nome, e como não faltava poder em quem isto prometia para o efectuar, se cumpriu sua palavra: porque em todos os reis descendentes d'el-rei D. Afonso Henriques se experimentou entranhável desejo de destruir os inimigos de Jesus Cristo: e contra eles fizeram muitas guerras por mar, e terra. Tudo o que em sonhos foi mandado fazer D. Egas Moniz, ele o cumpriu como se podia esperar, e o príncipe menino ficou de todo são.
Padre Torcato Peixoto de Azevedo, Memórias Ressuscitadas da Antiga Guimarães, [1692], Porto, 1845, págs. 182-183.

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