História e senso crítico, segundo João de Meira

João de Meira

De tanto amarem a sua terra, não são poucos os vimaranenses que olham para a história de Guimarães com um espírito mais iluminado por uma espécie de fé, do que pelo sentido crítico, que aconselha que apenas se aceite como verdadeiro aquilo que se consegue demonstrar, o que não é incompatível com continuarmos a honrar e a respeitar aquilo que nos é transmitido pela tradição. O escritor João de Meira, remando  contra a maré do seu tempo vimaranense, desmontou, por diversas vezes, com assinalável lucidez, “um certo número de factos mais que duvidosos da antiga história vimaranense a cada passo dados como positivos”. Leia-se, a título de exemplo, o pequeno artigo que este autor publicou no jornal Independente, na sua edição de 12 de Agosto de 1906:

História Pátria
Por ocasião das recentes festas de S. Gualter, a comissão dos festejos distribuiu pelos forasteiros uma espécie de guia de viajante, onde a par da indicação dos monumentos a visitar se publicaram notas de história local com que não concordo.
Se o ilustrado autor do Guia tem argumentos que faça valer as suas afirmações, eu não desejo senão que eles me convençam. Mas quer-me parecer que já agora é impossível prever um certo número de factos mais que duvidosos da antiga história vimaranense a cada passo dados como positivos.
Se não, vejamos.
1.º O Castelo de Guimarães foi notavelmente ampliado e fortalecido por Mumadona, afirma o Guia.
O Castelo de Guimarães, afirmo eu, não foi ampliado por Mumadona, porque foi por ela construído. Cf. Port. Mon. Hist. Dipl. et. Chart., n.º 97; Fr. M. da Rocha Port. Renascido, pág. 337; Alberto Sampaio, As Vilas do Norte de Portugal, in Portugalia, Vol. 1.º, pág. 804; Gama Barros, Hist da Adm. Publ.. vol. 2.º, pág. 7.
2.º No castelo de Guimarães nasceu o primeiro Vimaranense D. Afonso Henriques, diz o Guia.
Nenhum documento ou monumento digno de crédito, digo eu, nos autoriza a afirmar que Afonso Henriques nasceu em Guimarães. É um facto possível mas não provado, como também se não prova que fosse baptizado na igreja de S. Miguel do Castelo. O cauteloso A. Herculano não o diz. O Castelo tal como está deve ser de data muito posterior e o mais provável é que o Conde D. Henrique nunca habitasse nele. Cf. A. Herc. Hist. de Por. vol. 1.º, pág. 278 e A. Sampaio L. cit., pág. 806.
3.° A Colegiada de Guimarães foi fundada pelo conde D. Hermenegildo Mendes e a sua mulher a condessa Mumadona, relata o Guia.
O Conde Hermenegildo, avanço eu, nada fundou. Sua mulher fundou um convento de frades e freiras mais tarde, em data incerta, transformado em Colegiada. Cf. Port. Mon. Hist. Dipl. el Chart. n.º 61 e 76.
Se estas afirmações merecerem ao autor do Guia uma contestação, desenvolvê-las-ei em subsequente artigo, mostrando quanto a história das origens de Guimarães tem sido deturpada por uns historiógrafos tão cheios de boa-fé como faltos de senso crítico como foram o Padre Torcato, o Padre Carvalho e o Padre Caldas.
Guimarães, 10 de Julho de 1906
J. de M.

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