A política portuguesa, segundo Alberto Sampaio

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A Paixão Popular, segundo Rafael Bordalo Pinheiro (in O António Maria, 25 de Março de 1880)

"Durante toda a nossa história contemporânea, para a população portuguesa a noção do “governo” tem sido sempre a de um inimigo, de que a gente precisa de se defender, por sua conta e risco, como puder. Depois de se extenuar em tumultos e convulsões por mais de meio século, sem nenhum outro resultado, senão achar-se cada vez pior, considerando-se já agora como vencida, não faz ela outra opinião, senão a de um conquistador, que para a deixar viver à mercê da sua ignorância e miséria lhe exige o melhor do seu dinheiro.

A seu turno, os que mandam, aqueles que tiveram uma hora de sorte ao pôr o pé no estribo e por fim tomaram definitivamente as rédeas do poder, somente vêem no público – eles e os seus agentes, um gerador de impostos, a massa anónima, vil e desprezível, que não pode servir para outra coisa, mas que, contudo, é força ir ameigando deste ou daquele modo, por modo que ele, apesar da sua pacatez dos últimos trinta anos, não venha a enraivar-se, como as ovelhas tosquiadas rentes em demasia.

A frase tão famosa “o povo pode e deve pagar mais” exprime pitorescamente esta situação. Dois inimigos debatem um imposto de guerra. O vencedor, o que governa, quer tal quantia para deixar em paz o vencido, que se vê ao fundo com o traje burlesco, que o celebrado caricaturista lhe deitou aos ombros, protestando e jurando que não tem ceitil.

E são, de facto e realmente, dois inimigos, duas entidades que se não entendem nem se amam. Por isso se formou a oligarquia governante com os seus interesses e as suas opiniões em oposição ao país, que, não tendo já força para lhe resistir, nem saber para a substituir, sofre todas as imposições, reservando-se a triste e nefasta consolação de a desprezar e denominá-la com os nomes mais injuriosos.

Daqui resultam as piores consequências.

Faltando aos governos o apoio moral da nação, falta aos homens que o têm constituído e aos empregados, seus delegados, o sentimento de responsabilidade que basta por si só para tornar fecunda uma administração.

Por outro lado, livres de todo o sentimento de dever para com a nação, os políticos, julgando-se em terreno conquistado, importam-se apenas da sua gente.

Por isso, pode dizer-se que a política portuguesa, no fundo, só se tem preocupado de duas questões correlativas – aumentar os impostos para elevar a receita, e acrescentar esta em benefício de uma classe."

(Alberto Sampaio, “Oliveira Martins e o seu projecto de Lei de Fomento Rural”, in A Província, Porto, 14 de Maio de 1887)

[Também publicado aqui]

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