A nota biográfica publicada no jornal Notícias de Guimarães, aquando do falecimento de Joaquim Novais Teixeira, que a seguir se transcreve, ajuda-nos a perceber a dimensão deste vimaranense das quatro partidas do Mundo. O texto é de 1972, tendo, naturalmente, algumas das marcas daquele tempo.
Joaquim Novais Teixeira, escritor e notável jornalista, nasceu em Guimarães a 21 de Abril de 1899 Nesta cidade tirou o curso dos liceus e fundou alguns jornais que foram o repositório dos seus primeiros trabalhos nas letras. Passando ao Porto, aí frequentou o Instituto Industrial e Comercial, fundando outro jornal literário, A Luz. Ainda estudante, em l919, emigrou para Espanha, no sabor das lutas políticas de então, e ali constituiu família e ficou até 1938, lendo sido funcionário bancário e jornalista, com vasta colaboração para jornais madrilenos, além de ser sido correspondente de O Comércio do Porto e do Diário de Notícias, de Lisboa, e colaborador assíduo de várias revistas, entre as quais Ilustração e Magazine Bertrand. Pertenceu, em Madrid, e por direito de espírito, aos melhores círculos intelectuais literários, sendo amigo pessoal de Valle-Inclán, Garcia Lorca, Pio Baroja, Unamuno, Diez Canedo, Manuel Azaña, etc. Quando foi proclamada a República e este último grande escritor desempenhou os mais altos cargos governamentais, foi director do serviço da Imprensa Estrangeira na Presidência, do Ministério. A sua situação social e prestígio pessoal permitiram-lhe prestar largos e valiosíssimos serviços de solidariedade e assistência aos numerosos emigrados políticos portugueses que, por aquela época, chegavam de todos os pontos do País a Madrid, visto estar no auge da luta de oposição democrática em Portugal, contra os governos saídos do revolução militar de 28-V-1926. Durante a Revolução Espanhola, por coerência mental e imposição do seu carácter, seguiu Manuel Azaña, já então Presidente da República, sendo chefe do Serviço da Imprensa Espanhola, e vivendo a odisseia da retirada para Valência, Barcelona e Figueras, sofrendo todas as horas trágicas do medonho conflito, arrostando com os enormes perigos da hostilidade dos extremistas, especialmente os comunistas, que não poderiam compreender o seu romantismo liberal, nota dominante e perene da sua mentalidade política. Passou depois a França e ali permaneceu durante os primeiros tempos da ocupação, tendo assistido à entrada dos alemães em Paris. Em Agosto de 1940, acompanhando os emigrados políticos portugueses a quem se abriam as portas do seu pais por virtude da guerra mundial, regressou a Portugal, sendo porém detido na fronteira. Apesar de um movimento de jornalistas de todos os matizes políticos que subscreveram uma representação em seu favor e de se ter feito prova, não só do seu inequívoco anticomunismo mas também de que, durante a tua permanência junto dos governos republicanos espanhóis, não tomara parte em nenhum acto de guerra mas, ainda, e com o maior risco para a sua vida, albergara em casa e facilitara a fuga a muitos personalidades do mundo doa letras e das artes cuja morte seria certa sem a sua dedicação, não pareceu conveniente a sua permanência no País e assim, viu-se compelido a, em Fevereiro de 1941, seguir para o Brasil, fixando-se no Rio de Janeiro. Ali trabalhou na Interamericana que era, na época, o serviço da propaganda doa Aliados, no Brasil, acabando por dirigir este organismo. Passou depois a organizar, ocupando nele um alto posto, o Serviço Francês de Informação, do intercâmbio cultural franco-brasileiro, colaborando em Diário de Notícias, Jornal e Diário Carioca, entre outros. Em Abril de 1948 voltava a França, estabelecendo-se em Paris e colaborando activamente na Imprensa Brasileira, em especial em O Globo, do Rio de Janeiro, e no Estado de São Paulo, além de outros jornais e revistas do interior do Brasil e, ainda, no Primeiro de Janeiro, do Porto. Os seus grandes méritos de comentador de política internacional, ramo do jornalismo em que se afirmou um dos melhores especialistas mundiais, a sua cultura vastíssimo, a sua argúcia de crítico de arte e de Cinema, outra faceta da sua actividade em que triunfa completamente, tornam-no um profissional dos primeiros, disputados os seus trabalhos pelas melhores revistas e jornais. No Brasil foi um dos mais considerados jornalistas e assim O Globo e O Estado da São Paulo o nomearam seu representante-geral na capital francesa. São notáveis as suas reportagens na Itália e Suíça e os seus estudos sobre a questão franco-árabe realizadas depois de uma extensa visita à Tunísia, Argélia e Marrocos durante a qual entrevistou as personalidades mais notáveis francesas e árabes, bem como as críticas das Bienal de Veneza e Cannes, etc. Em 1954 organizou a representação europeia ao I Festival Internacional de Cinema de São Paulo. Publicou, aos 17 anos, um livro de versos Pinhas Bravas, muito elogiado pela crítica, e foi colaborador, tendo antes sido secretário-geral, da Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, de onde extraímos algumas das notas biográficas acima publicadas.
Foi durante alguns anos membro da Comissão executiva da Associação de Correspondentes da Imprensa Estrangeira, de Paris. Em 1958 foi membro do Júri do Festival Cinematográfico de Berlim e em, 1959 do Júri do Festival Cinematográfico de Locarno.
Condecorado pelo Governo Francês com a Ordem das Palmas Académicas, continuou o seu labor jornalístico, especialmente para os Jornais brasileiros, sendo reputado um dos mais notáveis comentadores da vida política mundial.
Ainda recentemente, há poucos meses, foi agraciado pelo Ministro dos Negócios Culturais da França com o grau de Cavaleiro da Ordem das Artes e das Letras, como recompensa da actividade desenvolvida depois de bastantes anos no domínio artístico, ao serviço da cultura francesa.
O saudoso finado tinha grande afeição pela sua Terra Natal, onde estivera, pela última vez, em Agosto passado. Sempre que aqui vinha percorria, em saudosa romagem, todos os recantos que lhe falavam da tua infância e procurava abraçar aqueles que conhecera e foram seus velhos condiscípulos e amigos.
Foi um vimaranense que em todo o Mundo, que percorreu, prestigiou a sua Terra e, longe embora, viveu intensamente o seu progresso e admirou os seus homens.
Sentindo profundamente a sua morte, o Notícias de Guimarães, em cujas páginas tantas vezes colaborou, apresenta sentidas condolências a seu Filho, o jornalista José António Novais, e presta à sua querida memória a homenagem da maior admiração.
1 Comentários
Por vezes, por caprichos do acaso, temos a felicidade de deparar com certos percursos pessoais que, pela sua intensidade e diversidade intervencionista, mais parecem resultar da súmula da vida de cinco ou seis pessoas.
Joaquim Novais Teixeira é um desses melhores exemplos. Ao longo de sete décadas, este vimaranense foi escritor, jornalista, activista político, crítico literário e cinéfilo, programador cultural, comentador de política internacional e administrador.
Para além desta intensidade intervencionista, o percurso deste vimaranense conheceu também uma diversidade geográfica muito rara para figuras do seu tempo. Motivado por questões profissionais ou pessoais, Novais Teixeira radicou-se em diferentes países europeus e da América latina, viajando ainda por diversos destinos no Norte de África, circunstâncias que marcaram decisivamente a sua forma de pensar e de entender o mundo seu contemporâneo.
Nascido em Guimarães, a 21 de Abril de 1899, foi aí que Joaquim Novais Teixeira iniciou os seus estudos e completou o curso dos liceus. Ainda jovem, revelou uma irreverência e inconformidade intelectual ao fundar alguns jornais de pequena dimensão e de duração esporádica.
Em 1916 muda-se para o Porto, onde prossegue os estudos no Instituto Industrial e Comercial. Nessa cidade funda o jornal literário A Luz, uma experiência mais consciente, e publica a sua primeira obra poética, Pinhas Bravas. Destas experiências juvenis aparentemente inconsequente ressalta uma interessante simbiose que iria conduzir a sua intervenção futura: uma intensa vontade de intervenção cívica e um forte espírito criativo.
Em 1919 emigra para Espanha, onde é funcionário bancário e colabora em vários jornais madrilenos. Apesar de distante, Novais Teixeira mantém relações com o seu país, exercendo funções de correspondente do Comércio do Porto e do Diário de Notícias e de colaborador literário da Ilustração e do Magazine Bertrand.
Contudo, no país vizinho, o vimaranense inicia uma nova rede de amizades e relações pessoais. Ávido de uma intervenção cívica, Novais Teixeira conheceu os melhores círculos intelectuais e artísticos madrilenos, convivendo com figuras cimeiras da cultura espanhola como Federico Garcia Llorca, Miguel de Unamuno, Pio Baroja, Diez Canedo, Manuel Azaña e Valle-Inclán. Entre outras amizades pessoais, destaque para uma relação privilegiada com o cineasta Luís Buñuel.
A sua aproximação aos círculos republicano e progressista permite-lhe ascender profissionalmente com a implantação da República espanhola. Novais Teixeira começou por ser nomeado Director do Serviço de Imprensa Estrangeira na Presidência do Ministério do governo republicano e, mais tarde, foi nomeado pelo Presidente Manuel Azaña para chefe do Serviço de Imprensa Espanhola.
Durante o período da guerra civil espanhola, foi conselheiro de Largo Caballero e viveu os episódios militares da retirada de Valência, Barcelona e Figueras, derrotas republicanas decisivas no desfecho do conflito. Em 1938, perante a iminência da vitória franquista em Espanha e o seu envolvimento na resistência republicana, Novais Teixeira procura refúgio em França.
Durante a sua estada em Espanha, e particularmente desde a vigência da ditadura militar de 1926, o jornalista procurou apoiar, através da solidariedade e assistência, alguns refugiados oposicionistas dos governos vigentes em Portugal. Em Agosto de 1940, acompanhando outros exilados políticos portugueses, tenta regressar a Portugal, mas é detido na fronteira pelas autoridades espanholas. Vários vultos do jornalismo e das letras espanholas subscrevem uma representação em seu favor.
Em Fevereiro de 1941, face às situações políticas e sociais verificadas em Portugal (regime salazarista), em Espanha (regime franquista) e em França (ocupação das tropas de Hitler), Novais Teixeira vê-se obrigado a procurar exílio no Rio de Janeiro.
Radicado no Brasil, Novais Teixeira tira proveito da sua experiência acumulada e da sua intervenção cívica contra os regimes autoritários para trabalhar e dirigir a Interamericana, um importante serviço de propaganda dos Aliados no Brasil.
Dentro do mesmo espírito, prossegue a sua actividade profissional na organização do Serviço Francês de Informação, um importante organismo dedicado ao intercâmbio cultural franco-brasileiro. Para além destas actividades profissionais, ainda encontra tempo para colaborar com os jornais Diário de Notícias, Jornal e Jornal Carioca.
Em Abril de 1948, finda a Segunda Guerra Mundial, regressa a França. Em Paris, o jornalista desempenha agora as funções de representante dos jornais Globo (Rio de Janeiro) e Estado de São Paulo (São Paulo), para além de outros jornais e revistas do interior do Brasil. Nas suas novas funções, Novais Teixeira destaca-se sobretudo no comentário da política internacional, efectuando importantes viagens a Itália, Suiça, Tunísia, Argélia e Marrocos.
No entanto, não deixa esmorecer a sua paixão artística e intelectual e exercita a crítica de arte e de cinema, assumindo a cobertura de importantes certames internacionais como a Bienal de Veneza e os festivais de cinema de Cannes, Veneza, Locarno e Berlim.
Tal como havia sucedido anos antes em Madrid e na sua primeira passagem por Paris, Novais Teixeira participou de forma activa em diversos círculos culturais e artísticos. Relaciona-se de forma mais intensa com várias figuras das artes e letras portuguesas radicadas em França, nomeadamente o casal Maria Helena Vieira da Silva e Arpad Szenes, o historiador de arte José-Augusto França e o artista surrealista António Dacosta, seu amigo íntimo.
Entretanto, o prestígio pessoal de Novais Teixeira dá-lhe uma destacada notoriedade em certos sectores da sociedade francesa. Em 1952, é convidado para integrar o júri do prestigiado Festival de Cinema de Cannes, e dois anos depois é convidado a organizar a representação estrangeira do Festival Internacional de São Paulo.
A reputação profissional conquistada junto dos colegas de profissão e o seu activismo político permitiram que presidisse à direcção da Fédération Internationale de la Presse Cinématographique (FIPRESCI).
Paralelamente, Novais Teixeira desempenhou um papel fundamental na divulgação dos novos movimentos cinematográficos brasileiro e português em França. Amigo de Nelson Pereira dos Santos, figura de proa do designado “cinema nôvo brasileiro”, o jornalista contribuiu para a promoção de várias obras de jovens cineastas brasileiros integrados no movimento criativo que despontou em finais da década de 50.
De um modo idêntico, Novais Teixeira ajudou a divulgar algumas tendências renovadoras no cinema português. O primeiro beneficiário foi Manoel de Oliveira, cuja obra O Pintor e a Cidade, aquando da sua estreia no Festival de Veneza, foi promovida pelo jornalista vimaranense junto de nomes de referência na cinematografia internacional como André Bazin.
Mais tarde, em pleno período de afirmação internacional do designado “novo cinema português”, Novais Teixeira colaborou com o crítico francês Jean Gili na organização da IX edição do Festival de Cinema de Nice, dedicado nesse ano ao Jeune Cinema Portugais (Março de 1972) e acompanhou com interesse o percurso de algumas obras desse movimento.
Em 1958, Novais Teixeira teve finalmente a possibilidade de regressar a Portugal pela primeira vez desde que partira em 1919. Quatro décadas depois de partir como mais um desconhecido, Novais Teixeira voltava como um prestigiado jornalista e promotor da cultura portuguesa além fronteiras. Daí em diante, Novais Teixeira regressou com regularidade a Portugal, quer para compromissos profissionais como para deleite pessoal.
Em Dezembro de 1972, Joaquim Novais Teixeira morre em Paris.
[15/09/2004 - 10:09] [Paulo Cunha (Guimarães — paulomfcunha@yahoo.com)]