Outros Carnavais: o de 1857 (4)

Folguedos do Entrudo. - No dia 8 ao romper da aurora os Artistas desta cidade percorreram as ruas com a banda de música do batalhão locando o hino artístico e lançando foguetes ao ar.

Mais. - No mesmo, dia de tarde, os jovens comerciantes desta cidade apareceram mascarados montados a cavalo, como que vindos de Braga e após si um deles num carrinho recitando as seguintes sextilhas:


OS BRACARENSES A QUERER TER PARTE NAS FOLIAS DO CARNAVAL EM GUIMARÃES.


Dia 8 de Fevereiro de 1857.


Briosos Vimaranenses,

Heróis de mil aventuras,

Saúdam-vos bracarenses;

Não zangueis com as figuras,

Têm o rosto amarelado,

Mas é terno, é engraçado.


Vimos da nossa cidade,

Tão decantada na história

Pela sua lealdade;

E que há-de deixar memória

Té às eras derradeiras,

Pelas suas frigideiras.


É uma terra sossegada,

Lá nunca chiam pardais,

Não se joga cacetada,

Não se berra nos jornais;

Nunca vi bondade tanta,

É toda uma gente santa.


Gostam de levar sem bulha

Água para o seu moinho,

Se às vezes ferram a pulha,

É com graça, com carinho;

Parece que são franceses,

E eles são bons portugueses.


Mas a faltar a verdade,

Na ocasião do Carnaval,

Aquela nobre cidade

Não é, não, à vossa igual;

Falam em grandes festejos,

E tudo fica em desejos.


Não digo que festa em Braga

É somente farelório,

Mas nem merece que em paga

Se aponte no reportório;

Vale tudo, bem pesado,

Trinta réis de mel coado.


Mas ali em nada há gosto,

Inda espessa gelosia

Encobre às damas o rosto,

Que sempre ver se devia,

De maneira que os janotas

Gastam lá debalde as botas.


Não se vêem, se uma fineza

Para as janelas se diz,

Surge às vezes velha Andreza,

Co’as cangalhas no nariz;

E o gamenho acatitado

Fica então desapontado.


Por isso quisemos ver

As vossos festas brilhantes,

Já das gâmbias n’um volver

Montemos nos rossinantes,

E caminhemos ligeiros,

Sem temermos atoleiros.


Apesar do grande enxurro,

A estrada está muito boa;

Por igual caminho um burro

Vai numa hora a Lisboa;

Inda é melhor, salvo o erro,

Do que um caminho-de-ferro.


Eis-nos pois na pátria vossa,

De gloriosas tradições,

Onde a névoa nunca engrossa,

Brilha gás nos lampiões,

E passeios e arvoredos

Convidam para os folguedos.


Não nos enganemos, não,

Com os festejos do entrudo,

Mal finda uma exibição,

Linda dança encanta tudo;

O que lá se diz é certo,

É aqui um céu aberto.


Mas da função o melhor

É das damas a presença;

Não há rei, nem tambor-mor,

Que o seu sorriso não vença;

É isto que em Braga falta,

E que endoudece o peralta.


Além de que em Guimarães

São sem dúvida mais belas,

Tanto as filhas como as mães

Estão sempre nas janelas;

Pôde o vento ir açoutá-las,

Que não há de lá tirá-las.


Folga pois o parvalheira

De passar-lhe pelas ruas,

E às vezes em pasmaceira

Contemplar as graças suas;

Todo o dia o Inês d’Horta

Fica ali, qual cão da porta.


Aqui sim, o tempo foge

Entrepostos e alegrias;

Oxalá nos deixeis hoje

Ter parte em vossas folias,

Que nesta terra tão plaina

Regalámos a polaina.


Faremos de bons vizinhos,

Vossas damas cortejando,

E dando-lhes mil carinhos,

Doces extremos trocando,

Diremos no fim de tudo,

Ora isto é que é entrudo.


~*~


Apoiado, que da festa

São as damas o melhor,

E ao estranho que as requesta

Dão fagueiras mais amor;

Vamos pois voltar-lhe extremos,

E seus mimos chucharemos.

[A Tesoura de Guimarães, n.º 45, Guimarães, 10 de Fevereiro de 1857]

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