Folguedos do Entrudo. - No dia 8 ao romper da aurora os Artistas desta cidade percorreram as ruas com a banda de música do batalhão locando o hino artístico e lançando foguetes ao ar.
Mais. - No mesmo, dia de tarde, os jovens comerciantes desta cidade apareceram mascarados montados a cavalo, como que vindos de Braga e após si um deles num carrinho recitando as seguintes sextilhas:
OS BRACARENSES A QUERER TER PARTE NAS FOLIAS DO CARNAVAL EM GUIMARÃES.
Dia 8 de Fevereiro de 1857.
Briosos Vimaranenses,
Heróis de mil aventuras,
Saúdam-vos bracarenses;
Não zangueis com as figuras,
Têm o rosto amarelado,
Mas é terno, é engraçado.
Vimos da nossa cidade,
Tão decantada na história
Pela sua lealdade;
E que há-de deixar memória
Té às eras derradeiras,
Pelas suas frigideiras.
É uma terra sossegada,
Lá nunca chiam pardais,
Não se joga cacetada,
Não se berra nos jornais;
Nunca vi bondade tanta,
É toda uma gente santa.
Gostam de levar sem bulha
Água para o seu moinho,
Se às vezes ferram a pulha,
É com graça, com carinho;
Parece que são franceses,
E eles são bons portugueses.
Mas a faltar a verdade,
Na ocasião do Carnaval,
Aquela nobre cidade
Não é, não, à vossa igual;
Falam em grandes festejos,
E tudo fica em desejos.
Não digo que festa em Braga
É somente farelório,
Mas nem merece que em paga
Se aponte no reportório;
Vale tudo, bem pesado,
Trinta réis de mel coado.
Mas ali em nada há gosto,
Inda espessa gelosia
Encobre às damas o rosto,
Que sempre ver se devia,
De maneira que os janotas
Gastam lá debalde as botas.
Não se vêem, se uma fineza
Para as janelas se diz,
Surge às vezes velha Andreza,
Co’as cangalhas no nariz;
E o gamenho acatitado
Fica então desapontado.
Por isso quisemos ver
As vossos festas brilhantes,
Já das gâmbias n’um volver
Montemos nos rossinantes,
E caminhemos ligeiros,
Sem temermos atoleiros.
Apesar do grande enxurro,
A estrada está muito boa;
Por igual caminho um burro
Vai numa hora a Lisboa;
Inda é melhor, salvo o erro,
Do que um caminho-de-ferro.
Eis-nos pois na pátria vossa,
De gloriosas tradições,
Onde a névoa nunca engrossa,
Brilha gás nos lampiões,
E passeios e arvoredos
Convidam para os folguedos.
Não nos enganemos, não,
Com os festejos do entrudo,
Mal finda uma exibição,
Linda dança encanta tudo;
O que lá se diz é certo,
É aqui um céu aberto.
Mas da função o melhor
É das damas a presença;
Não há rei, nem tambor-mor,
Que o seu sorriso não vença;
É isto que em Braga falta,
E que endoudece o peralta.
Além de que em Guimarães
São sem dúvida mais belas,
Tanto as filhas como as mães
Estão sempre nas janelas;
Pôde o vento ir açoutá-las,
Que não há de lá tirá-las.
Folga pois o parvalheira
De passar-lhe pelas ruas,
E às vezes em pasmaceira
Contemplar as graças suas;
Todo o dia o Inês d’Horta
Fica ali, qual cão da porta.
Aqui sim, o tempo foge
Entrepostos e alegrias;
Oxalá nos deixeis hoje
Ter parte em vossas folias,
Que nesta terra tão plaina
Regalámos a polaina.
Faremos de bons vizinhos,
Vossas damas cortejando,
E dando-lhes mil carinhos,
Doces extremos trocando,
Diremos no fim de tudo,
Ora isto é que é entrudo.
~*~
Apoiado, que da festa
São as damas o melhor,
E ao estranho que as requesta
Dão fagueiras mais amor;
Vamos pois voltar-lhe extremos,
E seus mimos chucharemos.
[A Tesoura de Guimarães, n.º 45, Guimarães, 10 de Fevereiro de 1857]
0 Comentários