Outros Carnavais: o de 1857 (1)


As tradições do Entrudo têm, em Guimarães, uma tradição muito rica e colorida, que, ao longo das últimas décadas, se tem vindo paulatinamente a perder. Nos próximos dias, iremos coligir neste espaço notícias referentes ao Carnaval de 1857, que se publicaram no jornal vimaranense A Tesoura de Guimarães. Naquele tempo, o modo como entre nós se comemorava o Entrudo estava em transformação, com tendência para se deixar de celebrar o velho Carnaval sujo e algo violento que passava, em grande medida pelo arremesso de laranjas, ovos podres, estopa a arder, gesso, cal, cinzas ou água entre grupos de foliões que, não raro, descambavam em verdadeiras batalhas campais. A nova forma de festejar o Carnaval não era, porém, inteiramente pacífica, já que trouxe consigo um novo tipo de queixas, como já veremos. Naquele ano, o Carnaval calhou no dia 24 de Fevereiro. Os folguedos começaram um mês antes, no dia 25 de Janeiro, domingo.


Abuso intolerável. — Os divertimentos no Carnaval em toda a parte são permitidos, e mais que outros quaisquer o devem ser, os que no nosso país vieram substituir a laranjada, o banho de água fria, a estopa incendiada, o pó de gesso e cal, e outras extravagâncias todas prejudiciais à saúde, e que muitas vezes com rapidez decidiam da vida; porém, para dos actuais tirarmos todas as vantagens é necessário, que não se obrigue todo o mundo a entrar neles; porque, o que para uns é divertimento, para outros é martírio. Por outra, é necessário, que cada um procure e goze o prazer, mas de tal forma que não incomode os outros.

No domingo passado mais de nove mil habitantes desta cidade se viram obrigados a velar desde as três para as quatro horas da manhã, porque 20 a 30 homens e rapazes se lembraram de correr as ruas tocando tambores e bombos, cujo estrondo seria capaz de acordar os mortos!

Foi este um divertimento, que só agradou a quem tomou parte nele, mas que ofendeu uma grande população, e muito mais a quem tinha doentes em sua casa. Acreditámos que a autoridade permitiu a acção, mas não podemos crer que a permitisse a tais horas; por isso esperamos que dê as providências para que senão abuse segunda vez, porque tal abuso é intolerável.

[A Tesoura de Guimarães, n.º 41, Guimarães, 27 de Janeiro de 1857]

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