No dia 11 de Março de 1900, na primeira passagem do dia de aniversário de Francisco Martins Sarmento, Guimarães organizou umas “Festas Sarmentinas” que ficaram gravadas na memória da cidade. Aqui fica a descrição dos festejos, tal como foi então publicada no jornal O Comércio de Guimarães.
Pela manhã
Era cedo e bem cedo e já pelas ruas, pelos largos e pelas estradas se notava um movimentar desusado o festeiro, o começo da maré cheia, que pelo dia fora havia do invadir todas as casas de pasto, ocupar todas as ruas do trânsito e todas as varandas. Carros sobre carros, magotes e magotes, de todos os pontos, de todos os cantos, que em toda a parte dominava a vontade, o entusiasmo pela festa do grande Sarmento.
Braga veia em maioria, os nossos lindíssimos arredores evacuaram-se. As filhas garridas dos campos, os peitos cobertos de oiros, vieram dar um tom característico e natural à cidade e à festa. A cavalaria às 9 horas, tomou lugar na rua de Paio Galvão, e a polícia entrou do vigiar mais do perto o povo irrequieto, furioso de contentamento.
As sacadas das ruas por onde devia passar o cortejo achavam-se engalanadas com colgaduras de damasco e maciços de verdura.
O cortejo
Cerca das dez e meia começaram a afluir ao Campo do Proposto os alunos das várias escolas do concelho, alegres e satisfeitos, erguendo vivas ao sábio ilustre, às damas e aos seus mestres. Os simpáticos académicos de Guimarães, Braga e Viana percorriam as ruas centrais, acompanhando a tuna vimaranense que se portou à altura dos créditos do seu mestre o snr. Arlindo Martinó, entusiastas – o coração a palpitar esperanças sob a batina preta. Depois foram-se chegando as, raparigas das fábricas, contentes o meigas nas suas faces cavadas pelo trabalho, contrastando com as do campo, que vendiam saúde e... oiros.
À meia hora o carro alegórico da Sociedade Martins Sarmento, onde a mão hábil de Abel Cardoso obrou prodígios de arte o do engenho, vistoso, bom trabalho, de efeito maravilhoso, tomando lugar na rua Paio Galvão, foi como que o aviso do agrupamento.
Veio então a pequenada viva, com as bandeiras flutuantes; os colégios da cidade – o de S. Dâmaso com suas riquíssimas bandeiras –; os seminaristas; o carro alegórico da Academia Vimaranense ao qual o snr. Carvalho Júnior, embora desajudado de braços e de massas imprimiu uma feição bela e vistosa e, atrás, os académicos dos liceus que, em todo o percurso, foram cobertos por um dilúvio frenético de flores e aplausos. E todavia flores e aplausos caíram constantemente durante o resto do cortejo.
Depois, o carro da agricultura, um primor de arte natural, com todos os utensílios da lavoura dispostos com beleza, precedendo o grupo atraente, encantador das flores dos campos, das Marias ternas dos nossos arrabaldes e os campónios satisfeitos, ufanos, bem postos, Seguia-se o carro alegórico da Escola Industrial, obra do afamado professor Coelho Pinto, o os alunos da mesma escola, operários das diversas fábricas da cidade o do concelho – mulheres o homens, – bandas de música; a nova Associação de classe dos empregados do comércio, o carro alegórico do Comércio e Indústria, a direcção e sócios da Associação Comercial de Guimarães, do Monte Pio Comercial, industriais, comerciantes, etc.
Iam, depois, os Bombeiros Voluntários de Guimarães com o seu Carro de bom gosto e disposição, os voluntários de Vizela e das Taipas.
Representantes das diversas associações recreativas da cidade, os funcionários públicos, o carro da Tipografia Minerva “Eco de Guimarães”, representantes da imprensa vimaranense, portuense e lisbonense, as autoridades civis, eclesiásticos e militares, e a fechar a direcção e sócios da Sociedade Martins Sarmento. Cortejo enorme! E tanto que ao começar a andar o carro alegórico da imprensa já as escolas estacionavam no Carmo, em descanso.
Quando a parte final do cortejo cívico chegou à Senhora da Guia, fez-se, após os discursos a descerração solene da lápide comemorativa da casa onde nasceu, em 9 do Março de 1833, o sábio dr. Francisco Martins Sarmento.
De novo a caminho dobraram à estrada do Fafe, tomaram pela rua de Serpa Pinto, Carmo lado Sul e depois estacionou o cortejo em frente à casa da exm.ª viúva Sarmento. Subiram à sacada os representantes de tudo quanto tomara parte na manifestação. O snr. dr. Meira leu uma bela alocução, que vai no primeiro lugar, a que respondeu brilhantemente o digno presidente do senado vimaranense, que descerrou a lápide. Falaram também os snrs. dr. Avelino Germano e abade de Tagilde, Oliveira Guimarães. Posto de novo em andamento o cortejo chegou à casada Sociedade pelas 4 horas e meia da tarde. Fez-se então a cerimónia do lançamento da primeira pedra do edifício.
À noite. – Nas ruas
Simplesmente assombrosas as iluminações, quer particulares, quer públicas. O jardim regurgitava de povo – damas e cavalheiros, mulheres e homens do poço. Em S. Francisco e Paio Galvão a custo se podia transitar. Viam-se pares amantes em todo o passeio, a despontar saudades do dia que terminara.
No teatro
Um delírio entusiástico que cobriu a deficiência do programa. Chico Redondo fez as delícias dos bons amadores da música clássica e Jerónimo Sampaio, o fino cómico, arrancou gargalhadas gerais e justas.
E assim decorreu um dia que passará a figurar entre os melhores desta terra de Guimarães.
[O Comércio de Guimarães, n.º 1466, ano XVI, Guimarães, 13 de Março de 1900]
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