Acaba de ser publicada a segunda edição das Páginas Minhotas de Alfredo Pimenta, obra rara entre nós, por se inserir numa tradição com pouco lastro em Guimarães: a escrita e publicação de memórias.
Autor polémico, nomeadamente pelas suas posições políticas, Alfredo Pimenta foi um notável historiador e um poeta reconhecido. No âmbito dos estudos históricos, dedicou o essencial da sua investigação à Idade Média. Foi o primeiro Director do Arquivo Municipal de Guimarães, que depois lhe tomaria o nome, conservador da Torre do Tombo, de 1933 a 1949, cargo que deixou de exercer no momento em que assumiu as funções de Director. Nasceu em Guimarães em 1882 e morreu em Lisboa em 1950. Deixou publicada uma obra vastíssima.
As Páginas Minhotas incluem um conjunto de relatos pessoais, começados em 1929 e escritos ao longo de vinte anos, em que descreve as suas estadias em Guimarães, na Casa da Madre de Deus, onde sempre o esperava uma fonte de água cristalina, depois de atravessar a cidade:
Quando o pequenino, liliputiano comboio chega ao Cavalinho, desdobra-se, quase de improviso, diante dos nossos olhos, em anfiteatro, a paisagem sintética de Guimarães, - a minha querida, a minha adorada terra. Lá em cima, enegrecido do Tempo e da Saudade, o Castelo, altaneiro, vigilante, sentinela robusta e leal, é a página do Passado heróico, combativo, audaz. Cá em baixo, perto de nós, chaminés fumegantes de fábricas ruidosas são a página do futuro progressivo, transformador, e misterioso. Espalhadas na paisagem citadina, rompendo do amontoado das casas, as torres das igrejas são a página da Fé eterna. E para a esquerda, aquela mancha acinzentada, e para a direita certo convento solitário, ou, melhor, para a esquerda, a Sociedade de Martins Sarmento, e para a direita o Convento da Costa são os indicativos das preocupações intelectuais da minha terra.
Por estas Páginas Minhotas passam as suas memórias de uma infância pouco feliz, os seus amigos e a tristeza com via alguns deles irem desaparecendo, reflexões sobre a economia rural, as festas, as procissões, acontecimentos locais, as suas peregrinações pelo Minho (e mesmo uma incursão a terras de Espanha), a memória dos tempos de Coimbra. Além do que esta obra nos dá, enquanto narrativa das digressões intelectuais e sentimentais de Alfredo Pimenta, ela constitui um interessantíssimo documento de estudo, enquanto retrato social de Guimarães na primeira metade do século XX.
Alfredo Pimenta trabalhava na revisão do texto da primeira edição das suas Páginas Minhotas quando a morte o levou, trabalho que seria completado por Manuel da Costa Figueira, com o apoio de João Ameal, que é o responsável pelos títulos dos capítulos da segunda metade da obra.
Nesta segunda edição, que merecia revisão mais cuidada, foram acrescentadas ao texto original algumas notas, porventura dispensáveis (sempre se evitavam incorrecções desnecessárias). Inclui também um útil índice remissivo.
Uma leitura que se recomenda.
Alfredo Pimenta, Páginas Minhotas, 2.ª edição, Opera Omnia, Guimarães, 2007
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