Da circunvalação da Vila Velha


Em que se dá notícia de quando esta vila foi murada e da grandeza dos muros.

Já dei notícia de vila velha de Araduca e do circuito de seus muros, os quais da parte do Sul todos foram derrubados, e a pedra se deu aos religiosos de S. Domingos para o dormitório do seu convento, a que chamam dormitório novo, e nos que ficaram em pé se deu princípio a esta vila para a parte de Nascente por el-rei D. Afonso III, como se vê de um escudo de suas armas posto sobre a porta da Freiria, hoje de Santa Cruz.

Deu-se princípio à nova muralha em um torreão terraplanado, que era da muralha velha, que está pouco distante da porta de Santa Cruz, e deste torreão corre a muralha nova coroada de ameias pela parte do Sul 490 passos até à torre dos Cães, recolhendo em si o Mosteiro de Santa Clara, que tem a cerca sobre a mesma muralha.

Estas muralhas da vila foram feitas primeiro que as torres, porque estas foram mandadas fazer por el-rei D. João o 1.°, e as muralhas foram acabadas de fazer no tempo de el-rei D. Dinis. Quando se fundou a torre dos Cães, estava naquele lugar a arca da água que vai para o convento de S. Francisco, e ali deixaram uma porta para se poder limpar. E fazendo a obra algum dano à dita água, o Duque D. Afonso e a Duquesa D. Constança de Moreira, sua segunda mulher, que estavam em Guimarães, mandaram fazer a dita arca de pedra lavrada, com cuja obra nunca mais faltou a água no convento, e na dita arca estão as suas armas.

Desta Torre dos Cães correm 262 passos da dita muralha da mesma altura, e artifício da primeira, os quais recolhem em si um quintal das casas dos Priores da Real Colegiada, e vão topar na Torre da Senhora da Guia, a que chamam o Campo da Feira. Defende esta torre a porta chamada dos Postigos, que dá serventia à rua de seu nome, e faz a torre frente ao Sul, e tem pela parte de dentro a capela de Nossa Senhora.

Corre a muralha desta Torre de Nossa Senhora da Guia para a Torre Velha 360 passos, pela qual se defendem as traseiras das casas da Rua Nova do Muro, que têm janelas sobre suas ameias. É a torre velha toda fechada sem porta, e no alto dela para a parte do Sul está um nicho com a imagem de S. Francisco, que dista de seu mosteiro 140 passos.

Desta Torre Velha até à da Alfândega, que também é fechada sem serventia, vão 340 passos de muralha sobre os quais estão situadas as traseiras das casas da Rua do Anjo, e no meio desta muralha está aporta da Fonte Velha, e daí saíam as ruas a Nova do Muro e a de Alcobaça, e entre estas torres está um rossio a que chamam da Alfândega, e nele encostadas ao muro estão casas térreas onde se vende pão e outros víveres e fazendas que vêm de outras partes, e há umas casas de sobrado para um homem que fecha as portas deste rossio, para não haver descaminho de noite nas fazendas que nele se recolhem. Neste rossio, para a parte do Sul, está uma alpendrada em colunas de pedra debaixo da qual estão tendas e se vende a fruta e pão cuja alpendrada pela parte das costas fecha com suas paredes o dito rossio.

Continuando desta Torre da Alfândega duzentos passos de muralha para Poente se vai dar na Torre de S. Domingos, de que é nome próprio o da Piedade, por ter pela parte de dentro uma capela desta Senhora, a qual pela parte de fora tem também sobre suas ameias um nicho com a imagem de S. Domingo e neste lugar esteve antigamente o seu Mosteiro, que el-rei D. Afonso IV mandou mudar para o lugar aonde está. Defende esta torre a porta da muralha que dá serventia ao terreiro da Misericórdia, Rua Sapateira e Rua da Arrochela; esta porta está para Sul, e para a alegre Praça do Toural, e todas as casas da rua da Arrochela têm serventia para o dito muro, na qual porta da Torre da Alfândega se abriu a porta nova, que tem em cima S. Pedro na cadeira pontifical.

Desta torre de S. Domingos caminhando para Norte 345 passos de muralha, se encontra a torre da Senhora da Graça, conhecida pelo nome de porta de Santa Luzia, pela qual tem serventia para fora a Rua de Val de Donas. Dentro da porta encostada a suas paredes está a capela de Nossa Senhora da Graça. Para cima desta muralha têm serventia todos os moradores da Rua de Val de Donas, e igualmente os da Rua das Flores. 

Saindo da Torre de Nossa Senhora da Graça para o Norte, está esperando a muralha de Vila Velha de Araduca para se vir abraçar com a nova muralha, depois desta ter caminhado 612 passos, e se encontram na Porta de Garridos, hoje de Santo António, por ter um nicho deste Santo, que faz frente a Norte e junto ao mosteiro dos seus religiosos. Todos os moradores da Rua do Gado e da do Poço têm serventia para esta muralha, e aqui se unem as duas muralhas nova e antiga com um torreão terraplanado, mas não são tão semelhantes que senão diferencie uma da outra, porquanto a velha é toda tosca e a nova de pedra lavrada e coroada de ameias. 

Em todas as portas desta vila estão gravadas as armas dos reis seus fundadores e em todos os torreões as de el-rei D. João I que bem mostram a majestade de tal rei."

(Padre Torcato Peixoto de Azevedo, Memórias Ressuscitadas da Antiga Guimarães, manuscrito de 1692, cap. 88.)

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