Se quem te deu te vira, não te dera.

Nas Memórias Ressuscitadas da Província de Entre-Douro-e-Minho no ano de 1726, de Francisco Xavier da Serra Craesbeeck, que exerceu o ofício de Corregedor em Guimarães, transcreve o que escrevera André Afonso Peixoto sobre a visita que o Infante D. Luís, filho de D. Manuel I, fez a Guimarães, em Agosto de 1548:

Entre as memórias antigas, que achámos, pertencentes a esta freguesia, escritas por André Afonso Peixoto, é que o Infante D. Luís, filho de el-Rei D. Manuel, viera a esta vila, de volta de Santiago de Galiza, a uma terça-feira, véspera de N. Senhora de Agosto, do ano de 1548, sendo nela Juízes: Manuel Rebelo, genro de Lopo Rodrigues, e Pedro Peixoto; e Vereadores: Rui Vieira, Lançarote Rodrigues das Maranhas, Francisco de Freitas e Gonçalo da Rocha; e Procurador do Concelho, Cristóvão Fernandes; e que a vila lhe fizera muita festa, e o fora esperar ao Miradouro, com uma mourisca de 300 meninos e João de Évora, seu Mestre, com eles por Rei; e a S. Lázaro lhe saíra uma dança de moças muito bem parecidas e concertadas, que dançavam muito bem, de que ele muito gostou; e estas lhe cantavam que o seguinte:


Meninas de Alfama,

não vades ao chafariz;

bem sabeis as tretas

do Infante D. Luís.


E, com muitas folias e festas, foi levado a N. Senhora da Oliveira, entre as oito e as nove da manhã; e se apeou à porta da igreja, aonde o Prior e Cabido o estavam esperando com um pálio, que os mesmos capitulares levavam; e assim foi até à capela-mor, aonde lhe disseram missa, que todos lhe beijaram a mão e deram as boas vindas; e daí foi levado à casa, que estava prestes para se agasalhar, que era de António de Mesquita, do Córrego, que fora de João Figueiroa, na rua de Santa Maria, com as mesmas festas. Ao outro dia, lhe correram touros na praça, que foi a de N. Senhora, que ele foi ver da Câmara só da janela do meio (que esta nunca se abria, senão quando a ela ia algum Rei ou Príncipe, Infante, ou Senhor tão grande como estes; e este costume se guardou até que el-Rei Filipe I entrou em Portugal, que em seu tempo se começou de profanar, e abrir a todos; e assim foi derrubada, no ano de 1600, sendo vereadores Manuel de Moura Coutinho, João de Sousa Alcoforado e André Afonso Peixoto e Procurador Sebastião Borges, do Toural); e porque um touro matou um homem, ele não quis, que mais se corressem; e teve disso grande desgosto, e mandou vir cavalos em que montou com os seus e os mais da vila, e foi ver o mosteiro da Costa, donde logo voltou para os Paços do Duque, aonde estavam afamados lutadores no terreiro esperando para o festejarem com muitas folias e danças, o que ele gostou de ver, e muito particularmente a luta, que o fizeram com toda a bizarria; e fez muitas mercês aos lutadores. Ficou na sala grande dos Paços, aonde ceou, e nela tinha jantado, aquele mesmo dia, aonde todos os homens fidalgos e honrados da vila lhe mandaram seus presentes, que muito agradeceu; e depois de cear, se pôs em uma janela e olhando para a vila (que então era do Infante D. Duarte, seu irmão, que lhe dera em dote o Duque D. Teodósio, que dela era Senhor com a Infanta D. Isabel, sua irmã), disse o dito Infante para todos as seguintes palavras:

- Se quem te deu te vira, não te dera.

(in Francisco Xavier da Serra Craesbeeck, Memórias Ressuscitadas da Província de Entre-Douro-e-Minho no ano de 1726)

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