Ninguém conhecerá bem esta terra, as suas gentes, as suas tradições, a sua história e a sua cultura sem beber desse prodigioso manancial que dá pelo nome de Curiosidades de Guimarães. O seu autor, homem de natureza modesta e gentil, veio ao mundo no dia 20 de Março de 1892, na freguesia de S. Paio, e faleceu a 5 de Março de 1965. Era filho António Alves Martins Pereira, comerciante de fazendas, e de Teresa Maria Vieira. O seu nome completo é Alberto Alves Vieira Braga, tendo adicionado aos apelidos que recebeu dos pais o do seu tio António José da Costa Braga, comerciante conhecido como o "mercador do Poço", por o seu estabelecimento original se situar junto a um poço de abastecimento público, na rua de D. João I. A loja do Braga seria transferida para a esquina que aquela rua faz com a de Paio Galvão, por baixo da casa onde Alberto Vieira Braga viveria. Era aí que Mário Cardozo o costumava observar:
No prédio alto em que habitava era frequente vê-lo à varanda corrida do último andar, soalheira e arejada, espraiando a vista pelo panorama dos longes suburbanos da cidade. Os seus passeios diários quase se limitavam ao trajecto, de pouco mais de alguns cinquenta metros, entre a porta da sua casa e a da Sociedade Martins Sarmento, que diariamente frequentava.
Os primeiros escritos de Vieira Braga publicados em letra de forma vieram a lume em 1916, no semanário O Republicano, cujo responsável, Eduardo de Almeida, terá sido o principal mentor dos seus primeiros passos enquanto historiador e etnógrafo. Em 1920, publicaria o seu primeiro opúsculo, sob o título de Provincianismos minhotos (subsídios lexicológicos), um glossário da linguagem popular a que daria continuidade, mais tarde, na Revista de Guimarães.
Foi em 1924 que começou a firmar créditos como etnógrafo, com a publicação do volume De Guimarães: Tradições e usanças populares, onde dedicou especial atenção à vida e à cultura camponesas em terras de Guimarães, espraiando a sua escrita viva e impressiva por diferentes temáticas: os amores, o noivado e o casamento, as orações, as superstições, a medicina popular, a morte, os astros, as plantas, os animais. No prefácio, indicou a razão de se ter abalançado no projecto de recolher e divulgar as tradições populares de Guimarães:
É que cedo me convenci de que estes trabalhos de recolha, não formando uma tese nem abrangendo um estudo, como quer que vão bem, porque sempre aproveitam cristão e profanos: os estudiosos saberão procurar, e os curiosos, aqui e além, desde que topem ao acaso uma tradição do seu agrado, sentem necessariamente o prazer que a rapaziada experimenta quando depois da vindima uns bagos pretos brilham ainda na corucha duma árvore em desejo e cobiça.
Em 1927, deu início à publicação daquela que viria a ser a obra da sua vida, As Curiosidades de Guimarães, uma colecção de estudos de história, cultura e tradições vimaranenses, que continuaria a publicar ao longo de quarenta anos. Aí, entrecuzando o passado com o tempo presente, traçou o retrato da vida económica, social e administrativa no burgo de Guimarães e nas suas aldeias, e deu corpo a um edifício etnográfico, histórico e literário que, desde cedo, se transformou num objecto de culto entre os vimaranenses.
Ao todo, as Curiosidades somam mais de duas mil e quinhentas páginas, que se distribuem por vinte e um ensaios, nos quais o autor, recorrendo a uma linguagem viva e espontânea, que nos remete para a imensa riqueza da coloquialidade popular, aborda, sob diversos ângulos de abordagem, os traços da ruralidade e do viver em Guimarães ao longo dos séculos. Por estes textos, onde se descreve esta terra e as suas gentes, passam os trabalhos e os folguedos, as sementeiras, as colheitas, os arraiais e romarias, as doenças, os medos, as guerras, a vida e a morte, os santos e os demónios, mas também as instituições, o teatro ou o jornalismo vimaranense.
A obra de Alberto Vieira Braga, em grande parte voltada para o conhecimento de um mundo já desaparecido ou em vias de desaparecimento, assume uma renovada actualidade, neste tempo de profundas mudanças, com a progressiva afirmação de tendências culturais de pendor uniformizante e descaracterizador da imensa riqueza cultural gerada pela individualidade local e regional.
A terminar, aqui ficam os títulos desta notável enciclopédia informal da cultura vimaranense, inicialmente publicada na Revista de Guimarães: Mulheres jogos e festas (1927), Maltas de Salteadores - Uma quadrilha de nomeada (1928-9), Montarias (1930-1), Maninhos (1932-5), Teatro Vimaranense (1936-7), Feiras e mercados(1939-40), Jornalismo Vimaranense (1940), Mortórios (1942-3), Cercos e Clamores (1943), Instrução, Irmandades, Visitas régias e Aposentadorias fidalgas (1948), Os votos de Santiago. Artes e artistas (1948), Para as naus da Índia e do Brasil (1949-50), Comendas da Ordem de Cristo no Termo de Guimarães (1951), Da ordem do Hospital ou de Malta no antigo Julgado de Guimarães (1952), Guimarães nas exposições nacionais e internacionais (1953), O culto poético e romeirinho a Nossa Senhora (1954-5), Jurisdição e Padroados. Capelas de Música. O Coro da Colegiada e o Convento da Costa (1957), Ruas. Casas. Muralhas. Obras. Décimas camarárias. Direitos paroquiais (1959), Paróquias eclesiásticas e Paróquias civis tradicionais. Confrarias do Subsino. Juízes e Homens de falas. Comunitarismo agrário. Autarquias rurais. As terras do Concelho. Movimento Judicial e Administrativo das Confrarias (1960), Do povo. Da Lavoura. Dos costumes. Do passadio e dos trajos. Das apeirias e sementeiras. Dos folguedos e das festas(1961-2), Curandeiros. Sentenças. Romanceiros e modilhos populares (1965, edição póstuma).
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